quarta-feira, 31 de maio de 2017

PACHECO PARA ARQUIVO E MEMÓRIA


Andou por aí um debate vazio e sem sentido em torno de a quem devem ser atribuídos mais méritos quanto aos bons resultados macroeconómicos do atual Governo. Na última “Quadratura”, Pacheco Pereira disse o essencial sobre o assunto, o que resumo em três citações complementares.

Primeira. “O Governo, no essencial e em muitos aspetos, seguiu a política do Governo anterior. Ponto. Os socialistas não gostam de ouvir isto mas é verdade. Em muitos aspetos, não fez mudanças que poderiam ser significativas – um dos exemplos é a legislação laboral. Agora – e isso é que incomoda o PSD –, mostrou que era possível, no essencial seguindo muitos aspetos da política do Governo anterior, dar uma folga a determinados grupos sociais e veio com as chamadas reversões. Portanto, mostrou que há uma margem de manobra – e essa margem de manobra sempre existiu – para conduzir uma política baseada nas regras europeias e, ao mesmo tempo, fazer alguma redistribuição de rendimentos.”

Segunda. “Quando o PSD hoje diz ‘a política do Governo é a continuação da nossa política’, ele tem razão em termos substantivos. Mas a partir do momento em que passou um ano a dizer que não era, já não tem. O problema nestas coisas é um problema de coerência. Se o PSD, durante o último ano, tivesse dito ‘esta política, mesmo que a gente não concorde com todas as reversões, no essencial é uma política positiva e nós apoiámo-la porque não há uma rotura em relação às políticas que nós aplicamos antes’, o PSD hoje estava com toda a razão para dizer ‘os resultados que foram adquiridos foram dos dois governos’. A partir do momento em que passou um ano a dizer que aquilo que considerava as reversões era o diabo, e que os resultados não iam aparecer, perdeu toda a razão. Portanto, hoje, quando alguém do PSD vem dizer que o resultado é dos dois governos, não tem razão; não tem razão pela simples razão que passou um ano a dizer que a política do Governo no último ano era a de estragar a do anterior.”

Terceira. “O meu problema não é que o diabo nos bata à porta em qualquer altura, porque pode bater, eu acho que pode bater. O problema é o Passos Coelho desejar que ele venha, é outra coisa – não é tanto que haja razões para dizer que ele pode vir, e pode vir, pode não ser este ano; porque a gente também está a discutir estes dados da economia muito em cima de resultados de dois ou três meses, quer dizer, acho que nestas coisas tem de se ser prudente quer com os resultados negativos quer com os resultados positivos.”

ROMER COM O CALDO ENTORNADO NO BANCO MUNDIAL




(Alguns ecos da pouco vermelha passadeira que Paul Romer tem encontrado na sua função de Chief Economist do Banco Mundial em julho de 2016, oportunidade para revisitar o tema dos economistas e da mudança nas organizações, questão bem mais complexa do que aparenta ser. Curiosamente, Kristalina Georgieva, lembram-se dela reaparece.)

Acolhi oportunamente neste espaço com apreço inequívoco a nomeação de Paul Romer para Chief Economist do Banco Mundial, uma instituição em busca de um novo racional de afirmação e de contribuição para o desenvolvimento. Participei ativamente com os meus colegas de equipa na FEP na disciplina de crescimento económico na divulgação da obra de Romer. Valorizei a intuição que ela representava para a compreensão do valor económico das ideias e via, por isso, com satisfação a sua entrada numa instituição como o Banco Mundial. Sobretudo, porque é um economista frontal, não se oculta por detrás de falsos prestígios ou argumentos de autoridade e admiti que isso iria ter repercussões na própria instituição à procura de um novo paradigma de intervenção. Outros o tentaram, sem êxito, como Joseph Stiglitz, mas provavelmente o tempo de Stiglitz era bem mais adverso.

O Financial Times, na sua crónica FT View, em 24 de julho de 2016 (link aqui), registava o recrutamento por parte do Banco Mundial de um pensador verdadeiramente livre, o que parecia um bom princípio para uma instituição “que precisa de algumas novas ideias”.

Talvez com alguma premonição do que poderia passar-se, Romer (link aqui) escreveu no seu blogue ainda ativo uma pequena crónica intitulada “Everybody wants progress; nobody wants change” (todos querem o progresso mas a mudança ninguém). Nessa crónica escrita uns dias antes de assumir funções no banco Mundial, retenho o seguinte parágrafo: “Nunca ingressaria numa universidade que não acolhesse o ruído constante das reclamações da Faculdade. (Quando estava em Berkeley, a anedota era que a faculdade era um grupo de pensadores livres reunidos por uma queixa partilhada acerca do estacionamento). Não investiria os meus fundos de reforma numa empresa em que os líderes encarassem a ausência de reclamações como um indicador diário credível de que estão a produzir as decisões mais sábias. Nunca trabalharia para uma organização que aconselhasse os líderes de países em desenvolvimento a não prosseguir políticas que gerassem queixas por parte dos cidadãos. Como um membro a curto prazo da comunidade do Banco Mundial, ficarei feliz pela organização ter a credibilidade que advém de aplicar a sua própria medicina”.

Pois esta perspetiva era mesmo premonitória de alguma coisa. Como sabemos e disso este blogue assegurou a devida difusão (escassíssima em Portugal), Romer, nos seus últimos escritos, evidenciava alguma frustração pela falta de rigor científico com que o mau uso da matemática estava a minar a macroeconomia moderna (a ideia de mathiness). Denunciava, por essa via, a contradição monumental da matemática estar a esconder a desonestidade intelectual de alguns. Romer foi sempre um obcecado pela clareza da escrita, que ele considera ser um fator crucial da difusão das ideias, reduzindo o tempo necessário para a comunicação: “se um documento estiver bem escrito, todo aquele que possuir uma cópia pode lê-lo e convertê-lo de conhecimento codificado armazenado num texto em capital humano armazenado em neurónios” (Writing, publicado a 24 de janeiro de 2017 no blogue interno do Banco Mundial que Romer haveria de replicar para fora das firewalls do Banco no endereço wb-ce.org (link aqui).

Pois aconteceu o que fora antecipado.

Romer que assegurava simultaneamente o posto de Chief Economist com o de gestor do departamento de investigação do Banco Mundial dedicado à Development Economics, chocou de frente quando colocou o grupo de investigadores perante o tema do clear writing. Aplicando os novos instrumentos das tecnologias de informação à análise de texto, Romer confrontou o grupo de investigadores com indicadores objetivos de palavras como “and (e)”, comparando as publicações do Banco com as frequências observadas em relatórios académicos. Tenham em conta esta frase: “ O World Development Report, tal como uma faca, tem de ser estreito para penetrar profundamente”.

O choque foi forte. O grupo da Economia do Desenvolvimento digeriu mal o apelo ao clear writing como meio, entre outras coisas, de aumentar a confiança entre os diferentes segmentos da instituição. Por agora, Romer está limitado ao posto de Chief Economist e à investigação e o presidente do Banco Mundial Jim Yong Kim atribuiu a gestão do departamento de investigação a um outro elemento do staff Kristalina Georgieva, até agora gestora do principal fundo da instituição. Como o mundo é pequeno: esta Kristalina foi usada à última hora para torpedear a candidatura de António Guterres a Secretário-Geral das Nações Unidas, ainda enquanto Comissária Europeia.

A frontalidade de Romer fê-lo replicar para fora o blogue interno do Banco Mundial no qual confrontava o grupo da investigação com as suas ideias acerca da clareza da escrita e das suas implicações na organização da instituição. Há nesta fonte material relevantíssimo para compreender o papel da investigação económica e da capacidade de a reproduzir com escrita clara e rigorosa.

Noah Smith no Bloomberg View (link aqui) traz uma nova interpretação do choque de Romer com o peso pesado grupo da Development Economics na instituição: “Talvez fosse esta cultura insular e não uma má escrita que Romer pretendeu abanar. Se assim foi, o palco estava armadilhado desde o início. Tornar os economistas abertos e comprometidos com o mundo mais amplo – e torná-los vulneráveis ao criticismo de outsiders inteligentes – pode ser uma tarefa demasiado grande mesmo para um economista famoso e brilhante como Romer”.

Estou curioso quanto ao efeito deste choque nas próximas publicações do Banco Mundial. Entre outras curiosidades, esta: finalmente ao fim de 40 anos o Banco Mundial dedicará o World Development Report ao tema da educação. Parece estranho mas é verdade.

O próprio Romer recomenda dois artigos sobre o assunto, um no Bloomberg View (link aqui) e outro no Financial Times (link aqui)

MACRON PARTOUT

(Jean Plantu, http://lemonde.fr)

(Nicolas Vadot, http://www.levif.be)

Enquanto se aguarda o decisivo veredito das próximas legislativas, tudo parece apontar para um Macron em grande forma físico-estratégica e a sair reforçado da verdadeira maratona em que se meteu. Imediatamente abaixo, três notas de registo sobre o governo (12 homens e 11 mulheres) que formou – como tinha de ser na circunstância em presença, um executivo equilibrado e aberto à sociedade civil mas de pendor tendencialmente mais voltado para a direita do espetro partidário (bebendo em acréscimo nos Republicanos e no MoDem de Bayrou relativamente aos arrependidos do Partido Socialista e Radicais de Esquerda). Mas ainda tem sobrado a Macron tempo para dar devida conta das responsabilidades internacionais que presidencialmente lhe cabem – um pouco mais abaixo, três desses momentos: suportando a boçalidade de Trump, fazendo as delícias europeias de Merkel e enfrentando Putin com turras em direto.





(Nicolas Vadot, http://www.levif.be)

(Pierre Kroll, http://www.lesoir.be)