terça-feira, 16 de maio de 2017

50 ANOS DEPOIS, A DOENÇA DO CUSTO DOS SERVIÇOS




(Os obituários em economia são paradoxais. Levam-nos referências, mas revisitam temas de que havíamos perdido o rasto na voracidade e rapidez da investigação. A já aqui assinalada morte de William J. Baumol traz a revisitação de um dos temas mais intrigantes do crescimento económico moderno…)

Num artigo de 1967, “Macroeconomics of Unbalanced Growth: the Anatomy of Urban Crisis” (link aqui), numa época em que a explosão dos serviços não tinha ainda a expressão dos dias de hoje, Baumol traz para a reflexão não propriamente uma nova evidência, mas pelo menos uma diferente abordagem na interpretação da mesma. O foco da interpretação está nos serviços e no seu comportamento diferenciado face à restante economia. De que forma?

Seguindo por uma via interpretativa distinta da clássica distinção entre transacionáveis e não transacionáveis, Baumol segmenta a economia em função do estatuto diferenciado que o trabalho assume pelo menos entre dois grupos de atividades ou setores.

De um lado, temos as atividades em que o trabalho constitui um mero instrumento, nas quais se dilui e onde é difícil perceber sem informação contabilística qual o peso do contributo do trabalho. Grosso modo, temos nesta categoria a generalidade dos produtos manufaturados.

Do outro lado, temos as atividades em que o trabalho não é instrumento. Confunde-se com a atividade e com a avaliação da sua qualidade. A exemplificação não é tão espontânea, mas o exemplo das performances artísticas ilustra bem o conceito. As atividades letivas e de restauração podem constituir exemplos complementares. Tudo no universo dos serviços. Que consequências decorrem desta diferenciação?

A primeira diferença básica identificada por Baumol é a das diferenças de ritmo de crescimento da produtividade. Nas atividades em que o papel do trabalho é essencialmente instrumental, o ritmo de variação da produtividade do trabalho, embora possa ser distinto de atividade para atividade, é globalmente elevado. Pelo contrário, nas outras atividades o ritmo de crescimento da produtividade é regra geral lento. É mais difícil fazer mais com menos. Uma aula é uma duração estabelecida. A performance também. E o desempenho do empregado que serve na restauração pode ter melhorias mas globalmente o seu crescimento de produtividade é limitado. A relação entre input e output é de outra natureza. Suscita o problema da qualidade da performance, da aula ou do atendimento.

Pressupondo que o aumento da produtividade nas atividades em que o trabalho é instrumental se repercute mais tarde ou mais cedo em subida de salários reais, a relação salários/produto tende a manter-se relativamente constante. Pelo contrário, admitindo que existe alguma mobilidade do trabalho entre as duas atividades e que o aumento de salários nas primeiras acaba por influenciar os salários das segundas, então, nas atividades-serviços atrás ilustradas, o menor crescimento da produtividade determina que a relação salários/produto tende a aumentar nestas atividades. É a este comportamento diferenciado dos serviços ou, pelo menos, de alguns serviços, que Baumol chama “a doença do custo dos serviços”. Refiro a possibilidade de pelo menos alguns serviços já que a capitalização e digitalização dos serviços pode complicar as contas em termos que, em 1967, mesmo com um economista arguto como Baumol, seria difícil antecipar.

A questão interessante a colocar, e é isso que faz Dietrich Vollrath (link aqui) um economista de grande destreza em termos do que poderíamos chamar o cálculo simples do crescimento económico, é a de saber quais são as consequências da “doença do custo dos serviços” para a evolução futura da estrutura do crescimento. Como justificar, então, que face ao custo dos serviços atividades como a educação e a saúde continuem a aumentar o seu peso na despesa total? A hipótese implícita na revisitação de Baumol por Vollrath é a influência das condições de procura. A procura de serviços, pelo menos de alguns serviços, pode ser inelástica face ao preço e inelástica face ao rendimento. Por palavras simples de não economês: a procura é rígida face a aumentos de preços e aumenta robustamente com aumentos de rendimento. Se isso se verificar, a “doença do custo dos serviços” não impedirá a estabilidade ou mesmo o aumento do peso da despesa em serviços.

A questão da saúde merece aprofundamentos e não pode ser sensatamente desenvolvida neste post. O aumento do preço relativo dos bens-serviços de saúde não será essencialmente devido ao efeito de Baumol mas antes ao crescimento explosivo das despesas de investigação em alguns medicamentos, o mesmo acontecendo com alguns equipamentos de saúde. Estes fatores combinados com a concentração perigosa da indústria farmacêutica colocam problemas que Baumol não poderia antecipar.

De qualquer modo, uma revisita que se impõe a uns tempos da economia em que a sofisticação matemática ainda não afastava da discussão um conjunto imenso de economistas e de outros intelectuais.

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