(Os obituários em
economia são paradoxais. Levam-nos referências, mas revisitam temas de que havíamos
perdido o rasto na voracidade e rapidez da investigação. A já aqui assinalada
morte de William J. Baumol traz
a revisitação de um dos temas mais intrigantes do crescimento económico moderno…)
Num artigo de 1967, “Macroeconomics of Unbalanced Growth:
the Anatomy of Urban Crisis” (link aqui), numa época em que a explosão dos serviços
não tinha ainda a expressão dos dias de hoje, Baumol traz para a reflexão não
propriamente uma nova evidência, mas pelo menos uma diferente abordagem na
interpretação da mesma. O foco da interpretação está nos serviços e no seu
comportamento diferenciado face à restante economia. De que forma?
Seguindo por uma via interpretativa distinta da clássica distinção entre transacionáveis
e não transacionáveis, Baumol segmenta a economia em função do estatuto diferenciado
que o trabalho assume pelo menos entre dois grupos de atividades ou setores.
De um lado, temos as atividades em que o trabalho constitui um mero instrumento,
nas quais se dilui e onde é difícil perceber sem informação contabilística qual
o peso do contributo do trabalho. Grosso modo, temos nesta categoria a
generalidade dos produtos manufaturados.
Do outro lado, temos as atividades em que o trabalho não é instrumento. Confunde-se
com a atividade e com a avaliação da sua qualidade. A exemplificação não é tão
espontânea, mas o exemplo das performances artísticas ilustra bem o conceito. As
atividades letivas e de restauração podem constituir exemplos complementares.
Tudo no universo dos serviços. Que consequências decorrem desta diferenciação?
A primeira diferença básica identificada por Baumol é a das diferenças de
ritmo de crescimento da produtividade. Nas atividades em que o papel do
trabalho é essencialmente instrumental, o ritmo de variação da produtividade do
trabalho, embora possa ser distinto de atividade para atividade, é globalmente
elevado. Pelo contrário, nas outras atividades o ritmo de crescimento da produtividade
é regra geral lento. É mais difícil fazer mais com menos. Uma aula é uma duração
estabelecida. A performance também. E o desempenho do empregado que serve na
restauração pode ter melhorias mas globalmente o seu crescimento de
produtividade é limitado. A relação entre input
e output é de outra natureza. Suscita
o problema da qualidade da performance, da aula ou do atendimento.
Pressupondo que o aumento da produtividade nas atividades em que o trabalho
é instrumental se repercute mais tarde ou mais cedo em subida de salários reais,
a relação salários/produto tende a manter-se relativamente constante. Pelo
contrário, admitindo que existe alguma mobilidade do trabalho entre as duas
atividades e que o aumento de salários nas primeiras acaba por influenciar os
salários das segundas, então, nas atividades-serviços atrás ilustradas, o menor
crescimento da produtividade determina que a relação salários/produto tende a
aumentar nestas atividades. É a este comportamento diferenciado dos serviços
ou, pelo menos, de alguns serviços, que Baumol chama “a doença do custo dos serviços”.
Refiro a possibilidade de pelo menos alguns serviços já que a capitalização e
digitalização dos serviços pode complicar as contas em termos que, em 1967,
mesmo com um economista arguto como Baumol, seria difícil antecipar.
A questão interessante a colocar, e é isso que faz Dietrich Vollrath (link aqui) um economista
de grande destreza em termos do que poderíamos chamar o cálculo simples do
crescimento económico, é a de saber quais são as consequências da “doença do
custo dos serviços” para a evolução futura da estrutura do crescimento. Como justificar,
então, que face ao custo dos serviços atividades como a educação e a saúde
continuem a aumentar o seu peso na despesa total? A hipótese implícita na
revisitação de Baumol por Vollrath é a influência das condições de procura. A
procura de serviços, pelo menos de alguns serviços, pode ser inelástica face ao
preço e inelástica face ao rendimento. Por palavras simples de não economês: a
procura é rígida face a aumentos de preços e aumenta robustamente com aumentos
de rendimento. Se isso se verificar, a “doença do custo dos serviços” não
impedirá a estabilidade ou mesmo o aumento do peso da despesa em serviços.
A questão da saúde merece aprofundamentos e não pode ser sensatamente
desenvolvida neste post. O aumento do
preço relativo dos bens-serviços de saúde não será essencialmente devido ao
efeito de Baumol mas antes ao crescimento explosivo das despesas de investigação
em alguns medicamentos, o mesmo acontecendo com alguns equipamentos de saúde. Estes
fatores combinados com a concentração perigosa da indústria farmacêutica
colocam problemas que Baumol não poderia antecipar.
De qualquer modo, uma revisita que se impõe a uns tempos da economia em que
a sofisticação matemática ainda não afastava da discussão um conjunto imenso de
economistas e de outros intelectuais.
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