(Alguns ecos da
pouco vermelha passadeira que Paul Romer tem encontrado na sua função de Chief
Economist do Banco Mundial em julho de 2016, oportunidade para
revisitar o tema dos economistas e da mudança nas organizações, questão bem
mais complexa do que aparenta ser. Curiosamente, Kristalina Georgieva, lembram-se dela
reaparece.)
Acolhi oportunamente neste espaço com apreço inequívoco a nomeação de Paul
Romer para Chief Economist do Banco
Mundial, uma instituição em busca de um novo racional de afirmação e de
contribuição para o desenvolvimento. Participei ativamente com os meus colegas
de equipa na FEP na disciplina de crescimento económico na divulgação da obra
de Romer. Valorizei a intuição que ela representava para a compreensão do valor
económico das ideias e via, por isso, com satisfação a sua entrada numa
instituição como o Banco Mundial. Sobretudo, porque é um economista frontal,
não se oculta por detrás de falsos prestígios ou argumentos de autoridade e
admiti que isso iria ter repercussões na própria instituição à procura de um
novo paradigma de intervenção. Outros o tentaram, sem êxito, como Joseph
Stiglitz, mas provavelmente o tempo de Stiglitz era bem mais adverso.
O Financial Times, na sua crónica FT View, em 24 de julho de 2016 (link aqui),
registava o recrutamento por parte do Banco Mundial de um pensador
verdadeiramente livre, o que parecia um bom princípio para uma instituição “que
precisa de algumas novas ideias”.
Talvez com alguma premonição do que poderia passar-se, Romer (link aqui) escreveu no
seu blogue ainda ativo uma pequena crónica intitulada “Everybody
wants progress; nobody wants change” (todos querem o progresso
mas a mudança ninguém). Nessa crónica escrita uns dias antes de assumir funções
no banco Mundial, retenho o seguinte parágrafo: “Nunca
ingressaria numa universidade que não acolhesse o ruído constante das
reclamações da Faculdade. (Quando estava em Berkeley, a anedota era que a
faculdade era um grupo de pensadores livres reunidos por uma queixa partilhada
acerca do estacionamento). Não investiria os meus fundos de reforma numa
empresa em que os líderes encarassem a ausência de reclamações como um
indicador diário credível de que estão a produzir as decisões mais sábias.
Nunca trabalharia para uma organização que aconselhasse os líderes de países em
desenvolvimento a não prosseguir políticas que gerassem queixas por parte dos
cidadãos. Como um membro a curto prazo da comunidade do Banco Mundial, ficarei
feliz pela organização ter a credibilidade que advém de aplicar a sua própria
medicina”.
Pois esta perspetiva era mesmo premonitória de alguma coisa. Como sabemos e
disso este blogue assegurou a devida difusão (escassíssima em Portugal), Romer,
nos seus últimos escritos, evidenciava alguma frustração pela falta de rigor
científico com que o mau uso da matemática estava a minar a macroeconomia
moderna (a ideia de mathiness). Denunciava,
por essa via, a contradição monumental da matemática estar a esconder a
desonestidade intelectual de alguns. Romer foi sempre um obcecado pela clareza
da escrita, que ele considera ser um fator crucial da difusão das ideias,
reduzindo o tempo necessário para a comunicação: “se um
documento estiver bem escrito, todo aquele que possuir uma cópia pode lê-lo e
convertê-lo de conhecimento codificado armazenado num texto em capital humano
armazenado em neurónios” (Writing, publicado a 24 de janeiro
de 2017 no blogue interno do Banco Mundial que Romer haveria de replicar para
fora das firewalls do Banco no
endereço wb-ce.org (link aqui).
Pois aconteceu o que fora antecipado.
Romer que assegurava simultaneamente o posto de Chief Economist com o de gestor do departamento de investigação do
Banco Mundial dedicado à Development
Economics, chocou de frente quando colocou o grupo de investigadores
perante o tema do clear writing.
Aplicando os novos instrumentos das tecnologias de informação à análise de
texto, Romer confrontou o grupo de investigadores com indicadores objetivos de
palavras como “and (e)”, comparando as publicações do Banco com as frequências
observadas em relatórios académicos. Tenham em conta esta frase: “ O World Development Report, tal como uma faca, tem de ser
estreito para penetrar profundamente”.
O choque foi forte. O grupo da Economia do Desenvolvimento digeriu mal o
apelo ao clear writing como meio,
entre outras coisas, de aumentar a confiança entre os diferentes segmentos da
instituição. Por agora, Romer está limitado ao posto de Chief Economist e à investigação e o presidente do Banco Mundial
Jim Yong Kim atribuiu a gestão do departamento de investigação a um outro
elemento do staff Kristalina Georgieva, até agora gestora do principal fundo da
instituição. Como o mundo é pequeno: esta Kristalina foi usada à última hora
para torpedear a candidatura de António Guterres a Secretário-Geral das Nações
Unidas, ainda enquanto Comissária Europeia.
A frontalidade de Romer fê-lo replicar para fora o blogue interno do Banco
Mundial no qual confrontava o grupo da investigação com as suas ideias acerca
da clareza da escrita e das suas implicações na organização da instituição. Há nesta
fonte material relevantíssimo para compreender o papel da investigação
económica e da capacidade de a reproduzir com escrita clara e rigorosa.
Noah Smith no Bloomberg View (link aqui) traz uma nova interpretação do choque
de Romer com o peso pesado grupo da Development
Economics na instituição: “Talvez
fosse esta cultura insular e não uma má escrita que Romer pretendeu abanar. Se
assim foi, o palco estava armadilhado desde o início. Tornar os economistas
abertos e comprometidos com o mundo mais amplo – e torná-los vulneráveis ao
criticismo de outsiders inteligentes – pode ser uma tarefa demasiado grande
mesmo para um economista famoso e brilhante como Romer”.
Estou curioso quanto ao efeito deste choque nas próximas publicações do
Banco Mundial. Entre outras curiosidades, esta: finalmente ao fim de 40 anos o
Banco Mundial dedicará o World
Development Report ao tema da educação. Parece estranho mas é verdade.
O próprio Romer recomenda dois artigos sobre o assunto, um no Bloomberg View (link aqui) e outro no Financial Times (link aqui)
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