sexta-feira, 19 de maio de 2017

DEUS-DARÁ




(Mergulhado por simples coincidência na prosa heterodoxa de Alexandra Lucas Coelho, eis que os sete dias na vida de São Sebastião do Rio de Janeiro me ajudam a compreender a ópera bufa em que a vida política do Brasil se transformou, com o complexo de culpa de não conhecer o Brasil a atormentar-me …)

A minha formação em economia do desenvolvimento foi construída, entre outras fontes, em torno de um estudo atento e pormenorizado do modelo de industrialização brasileira antes e depois do golpe militar de 1964, nunca a partir daí tendo perdido o contacto com a realidade do desequilibrado modelo brasileiro, à distância. Muitas das referências que marcaram esse estudo, de Celso Furtado a Fernando Henrique Cardoso, de Maria da Conceição Tavares a outros economistas que prolongaram o legado intelectual de Celso Furtado, fazem parte do meu capital de conhecimento na disciplina. Quis a indeterminação da vida que nunca tivesse visitado o Brasil e que por isso sinta que essa influência nunca foi completa, que me faltou a interpretação dos sentidos da vivência de uma sociedade, por mais agressiva que possa apresentar-se.

Há já alguns dias que venho tragando a prosa apocalíptica de Alexandra Lucas Coelho na sua mais recente obra “deus-dará” da Tinta da China, naquelas edições que nos reencontram com o prazer sensorial de manusear um livro. A prosa de Alexandra é uma verdadeira torrente que rejuvenesceu o estilo da literatura portuguesa (a sua saída de cronista do Público dá que pensar e permite levantar todas as suspeições acerca do magarefe David Dinis). A sua imersão em longos períodos da sociedade brasileira transforma-a na prosa mais identificada com os âmagos mais profundos da sociedade brasileira e assistimos por essa via a uma verdadeira construção linguística. Na minha modéstia de leitor, acho que ninguém avançou mais na construção de um português que integre a criatividade do brasileiro, para além de que o erotismo da sua prosa é algo de verdadeiramente singular na literatura portuguesa de hoje.

O deus-dará é um turbilhão de literatura. Quanto eu gostaria de ter vivência da sociedade brasileira para compreender melhor este turbilhão! O engenho de Alexandra, situado temporalmente na visita do Papa Francisco ao Brasil, permite-lhe introduzir o tema de quinhentos anos de história luso-brasileira em sete dias de relato intenso, cobrindo as vidas dos inesquecíveis Lucas, Judite, Zaca, Tristão, Inês, Gabriel e Noé. Não é leitura fácil pela construção linguística que a obra assegura, mas sempre que revisito a ópera bufa em que a situação política do Brasil se transformou estou permanentemente a invocar os personagens de Alexandra e aqueles sete dias vertiginosos.

Estava escrito que o personagem TEMER era de temer e assim se confirma toda essa previsão. Ou muito me engano ou o Globo e os interesses que ele representa estão a preparar meticulosamente o pós-TEMER, o que sem ouvir o povo não será menos de temer. Temos a imagem de uma classe política gangrenada e com tanto salpico de corrupção aberta e declarada que tudo é possível até o aparecimento de um LULA 2. Seguramente que o Globo não se abalançaria a esta ofensiva objetiva contra TEMER a pensar num LULA 2. Estará por aí a perfilar-se e há quem se refira ao Mayor de S.Paulo.

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