(Mergulhado por
simples coincidência na prosa heterodoxa de Alexandra Lucas Coelho, eis que os
sete dias na vida de São Sebastião do Rio de Janeiro me ajudam a compreender a
ópera bufa em que a vida política do Brasil se transformou, com o complexo de culpa de não conhecer o
Brasil a atormentar-me …)
A minha formação em economia do
desenvolvimento foi construída, entre outras fontes, em torno de um estudo
atento e pormenorizado do modelo de industrialização brasileira antes e depois
do golpe militar de 1964, nunca a partir daí tendo perdido o contacto com a
realidade do desequilibrado modelo brasileiro, à distância. Muitas das
referências que marcaram esse estudo, de Celso Furtado a Fernando Henrique
Cardoso, de Maria da Conceição Tavares a outros economistas que prolongaram o
legado intelectual de Celso Furtado, fazem parte do meu capital de conhecimento
na disciplina. Quis a indeterminação da vida que nunca tivesse visitado o
Brasil e que por isso sinta que essa influência nunca foi completa, que me
faltou a interpretação dos sentidos da vivência de uma sociedade, por mais
agressiva que possa apresentar-se.
Há já alguns dias que venho tragando a prosa apocalíptica de Alexandra
Lucas Coelho na sua mais recente obra “deus-dará” da Tinta da China, naquelas
edições que nos reencontram com o prazer sensorial de manusear um livro. A
prosa de Alexandra é uma verdadeira torrente que rejuvenesceu o estilo da
literatura portuguesa (a sua saída de cronista do Público dá que pensar e
permite levantar todas as suspeições acerca do magarefe David Dinis). A sua
imersão em longos períodos da sociedade brasileira transforma-a na prosa mais
identificada com os âmagos mais profundos da sociedade brasileira e assistimos
por essa via a uma verdadeira construção linguística. Na minha modéstia de
leitor, acho que ninguém avançou mais na construção de um português que integre
a criatividade do brasileiro, para além de que o erotismo da sua prosa é algo
de verdadeiramente singular na literatura portuguesa de hoje.
O deus-dará é um turbilhão de literatura. Quanto eu gostaria de ter
vivência da sociedade brasileira para compreender melhor este turbilhão! O
engenho de Alexandra, situado temporalmente na visita do Papa Francisco ao
Brasil, permite-lhe introduzir o tema de quinhentos anos de história
luso-brasileira em sete dias de relato intenso, cobrindo as vidas dos
inesquecíveis Lucas, Judite, Zaca, Tristão, Inês, Gabriel e Noé. Não é leitura
fácil pela construção linguística que a obra assegura, mas sempre que revisito
a ópera bufa em que a situação política do Brasil se transformou estou
permanentemente a invocar os personagens de Alexandra e aqueles sete dias
vertiginosos.
Estava escrito que o personagem TEMER era de temer e assim se confirma toda
essa previsão. Ou muito me engano ou o Globo e os interesses que ele representa
estão a preparar meticulosamente o pós-TEMER, o que sem ouvir o povo não será
menos de temer. Temos a imagem de uma classe política gangrenada e com tanto
salpico de corrupção aberta e declarada que tudo é possível até o aparecimento
de um LULA 2. Seguramente que o Globo não se abalançaria a esta ofensiva
objetiva contra TEMER a pensar num LULA 2. Estará por aí a perfilar-se e há quem
se refira ao Mayor de S.Paulo.
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