(O mito de Narciso
aplicado à política salpicada pela corrupção, na prosa implacável
e incisiva de Juan José Millás)
O suplemento dominical do El País tem para mim uma coluna de culto. Juan
José Millás escolhe imagens e acompanha-as, regra geral, de um texto mortífero,
fulminante. Infeliz o(a) fotografado(a), preso na imagem capturada.
Este domingo, o tema é o mito de Narciso aplicado à política salpicada de
corrupção. A imagem é um monumento simbólico. Num “despacho” talvez algures na
comunidade de Madrid, Esperanza Aguirre, uma estrela refulgente e depois
cadente do PP, retoca a maquilhagem (sempre o espelho) perante o olhar embevecido
dos seus colaboradores mais diretos, todos a contas com a justiça espanhola, o
que determinou aliás a demissão da própria Aguirre.
Espelho meu, espelho meu!
A imagem sobre a qual Millás disserta brevemente levar-nos-ia muito longe.
Haverá na corrupção política sempre uma sedução narcísica do eu? Será que a
sedução do espelho foi alimentada pelos acólitos e assistentes de Aguirre para
trabalharem mais à vontade?
Tal como Millás o assinala na sua curta crónica, a história da mitologia não
se confirmou? No local do afogamento de Narciso não apareceu desta vez uma bela
flor, mas um poço bem fundo de consequências pestíferas para a causa pública em
Espanha.
Quantas Aguirres deste mundo da política corrupta se confortam no espelho
perante o ar contemplativo dos seus colaboradores mais íntimos?
Sem comentários:
Enviar um comentário