(Já é tradição.
Nas vésperas das cimeiras ibéricas parece que a geoestratégia territorial recupera
de uma longa hibernação. Sucedem-se referências a estudos que ninguém conhece
ou muito poucos, numa prática pouco saudável para a
territorialização da democracia)
É um facto que as cimeiras ibéricas, se outra importância não tivessem para
além do habitual “wishful thinking” diplomático,
têm pelo menos a virtude de redescobrir a geoestratégia territorial. Chegam à
luz do dia por essa via estudos ou referências a estudos que ninguém conhecia,
cuja publicação e discussão atempadas poderiam constituir bons momentos de reflexão
estratégica sobre infraestruturas estratégicas e o papel das regiões na internacionalização
do país.
É tradição e a próxima cimeira ibérica de fins de maio em Vila Real não
fugiu à regra. No Expresso do último fim de semana, um professor da Universidade
do Algarve, investigador na área dos transportes, Manuel Margarido Tão de sua
graça, publica um artigo de opinião intitulado “O Douro, a Ferrovia e a Cimeira
Ibérica”. Saúda-se antes de mais a inovação geográfica, alguém a trabalhar no
Algarve a falar sobre o Douro. O país está diferente …
Pois o artigo de opinião é sobretudo importante porque o investigador da Universidade
do Algarve fala de um estudo elaborado pelas Infraestruturas de Portugal I.P
(que não consta da respetiva página web, esclareça-se, porque tive oportunidade
de hoje o confirmar) designado de Estudo de Desenvolvimento da Linha do Douro.
Não se sabe se o investigador Tão é ou não interveniente no estudo, mas pela
sua descrição parece conhecê-lo bem e em pormenor. O artigo de opinião cita uma
notícia do Público de 6 de fevereiro de 2017 sobre o referido estudo (que me
escapou totalmente), mas tenho para mim que foi restrita a difusão do estudo.
Margarido Tão refere que nesse documento a Linha do Douro é perspetivada, simultaneamente,
como a integração lógica funcional da Área Metropolitana do Porto com a Península
Ibérica e Europa além-Pirinéus e como “vetor incontornável de um novo modelo de
desenvolvimento territorial transfronteiriço”, potenciando claramente o
hinterland do porto de Leixões e das infraestruturas logísticas a ele associadas,
não esquecendo ainda o minério de ferro de Moncorvo-Reboredo. O que é curioso é
a aposta numa linha que a CP e a REFER têm votado ao abandono e à irrelevância,
envolvendo a reativação da linha do Sabor entre Pocinho e Carvalhal, com
simulações de tempo de viagem de 2h.50m para os 2000 kms até Barca d’Alva e
4h.30m para os 336 Kms até Salamanca e posterior interligação com a alta
velocidade regional até Madrid. O artigo cita ainda que o estudo orçamenta um valor
máximo de 230 milhões de euros para as obras em território nacional e 119 milhões
de euros em Espanha. Margarido Tão refere que mesmo com o investimento de apoio
à exploração mineira de Moncorvo, o valor máximo de 473 milhões de euros do
investimento ficaria bastante aquém do intervalo entre 1.10 e 1.500 milhões de
uros para a linha entre Aveiro e Mangualde.
É claro que para quem vê o estado decrépito das automotoras que fazem o
Porto-Régua, em que nem sequer o pormenor dos vidros das janelas limpinhos para
turista usufruir é respeitado, tem dificuldade em perceber vontade política de
aplicação das recomendações do tal estudo ainda no segredo dos favorecidos. Mas
uma boa discussão sobre o alcance da linha do Douro seria recomendável e muito
saudável. O Norte sempre permaneceu num equilíbrio instável entre a sua atração
pela atlanticidade (que mexe com a Galiza atlântica) e pela continentalidade (a
ligação com a Meseta via Castilla y León). Não tenho dúvida de que do ponto de
vista das infraestruturas portuárias e logísticas do Norte uma renovada linha
do Douro seria algo de vital e estratégico. Já do ponto de vista da articulação
com Madrid e com a rede de alta velocidade europeia, uma boa articulação com o
futuro Vigo-Ourense-Puebla de Sanábria-Madrid em TGV galaico-espanhol seria
excelente.
Mas é uma boa discussão de geoestratégia territorial que precisamos. Até
para esquecer os mira-umbigos que os localismos autárquicos nos trazem regularmente,
que deles estamos fartos, embora preze muito a democracia de proximidade.
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