terça-feira, 23 de maio de 2017

NA ANTECÂMARA DA CIMEIRA IBÉRICA




(Já é tradição. Nas vésperas das cimeiras ibéricas parece que a geoestratégia territorial recupera de uma longa hibernação. Sucedem-se referências a estudos que ninguém conhece ou muito poucos, numa prática pouco saudável para a territorialização da democracia)

É um facto que as cimeiras ibéricas, se outra importância não tivessem para além do habitual “wishful thinking” diplomático, têm pelo menos a virtude de redescobrir a geoestratégia territorial. Chegam à luz do dia por essa via estudos ou referências a estudos que ninguém conhecia, cuja publicação e discussão atempadas poderiam constituir bons momentos de reflexão estratégica sobre infraestruturas estratégicas e o papel das regiões na internacionalização do país.

É tradição e a próxima cimeira ibérica de fins de maio em Vila Real não fugiu à regra. No Expresso do último fim de semana, um professor da Universidade do Algarve, investigador na área dos transportes, Manuel Margarido Tão de sua graça, publica um artigo de opinião intitulado “O Douro, a Ferrovia e a Cimeira Ibérica”. Saúda-se antes de mais a inovação geográfica, alguém a trabalhar no Algarve a falar sobre o Douro. O país está diferente …

Pois o artigo de opinião é sobretudo importante porque o investigador da Universidade do Algarve fala de um estudo elaborado pelas Infraestruturas de Portugal I.P (que não consta da respetiva página web, esclareça-se, porque tive oportunidade de hoje o confirmar) designado de Estudo de Desenvolvimento da Linha do Douro. Não se sabe se o investigador Tão é ou não interveniente no estudo, mas pela sua descrição parece conhecê-lo bem e em pormenor. O artigo de opinião cita uma notícia do Público de 6 de fevereiro de 2017 sobre o referido estudo (que me escapou totalmente), mas tenho para mim que foi restrita a difusão do estudo.

Margarido Tão refere que nesse documento a Linha do Douro é perspetivada, simultaneamente, como a integração lógica funcional da Área Metropolitana do Porto com a Península Ibérica e Europa além-Pirinéus e como “vetor incontornável de um novo modelo de desenvolvimento territorial transfronteiriço”, potenciando claramente o hinterland do porto de Leixões e das infraestruturas logísticas a ele associadas, não esquecendo ainda o minério de ferro de Moncorvo-Reboredo. O que é curioso é a aposta numa linha que a CP e a REFER têm votado ao abandono e à irrelevância, envolvendo a reativação da linha do Sabor entre Pocinho e Carvalhal, com simulações de tempo de viagem de 2h.50m para os 2000 kms até Barca d’Alva e 4h.30m para os 336 Kms até Salamanca e posterior interligação com a alta velocidade regional até Madrid. O artigo cita ainda que o estudo orçamenta um valor máximo de 230 milhões de euros para as obras em território nacional e 119 milhões de euros em Espanha. Margarido Tão refere que mesmo com o investimento de apoio à exploração mineira de Moncorvo, o valor máximo de 473 milhões de euros do investimento ficaria bastante aquém do intervalo entre 1.10 e 1.500 milhões de uros para a linha entre Aveiro e Mangualde.

É claro que para quem vê o estado decrépito das automotoras que fazem o Porto-Régua, em que nem sequer o pormenor dos vidros das janelas limpinhos para turista usufruir é respeitado, tem dificuldade em perceber vontade política de aplicação das recomendações do tal estudo ainda no segredo dos favorecidos. Mas uma boa discussão sobre o alcance da linha do Douro seria recomendável e muito saudável. O Norte sempre permaneceu num equilíbrio instável entre a sua atração pela atlanticidade (que mexe com a Galiza atlântica) e pela continentalidade (a ligação com a Meseta via Castilla y León). Não tenho dúvida de que do ponto de vista das infraestruturas portuárias e logísticas do Norte uma renovada linha do Douro seria algo de vital e estratégico. Já do ponto de vista da articulação com Madrid e com a rede de alta velocidade europeia, uma boa articulação com o futuro Vigo-Ourense-Puebla de Sanábria-Madrid em TGV galaico-espanhol seria excelente.

Mas é uma boa discussão de geoestratégia territorial que precisamos. Até para esquecer os mira-umbigos que os localismos autárquicos nos trazem regularmente, que deles estamos fartos, embora preze muito a democracia de proximidade.

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