terça-feira, 23 de maio de 2017

PAÍS DE MILAGRES COM SAÍDA LIMPA


Absolutamente incontornável uma referência de aplauso ao abandono do procedimento por défices excessivos por parte de Portugal. Sobretudo porque foram oito anos de sofrimento cidadão e de frequentes e inaceitáveis ou intoleráveis narrativas e imposições. Dispenso-me de grandes comentários da minha lavra – que não sejam os de uma menção obrigatória a Mário Centeno (whatever...) e àquela ideia pouca rigorosa de uma parte 2 de saída limpa (porque, afinal, só esta é que é uma saída limpa!) – e limito-me a deixar os nossos leitores entregues a uma tradução da newsletter matinal de uma das mais prestigiadas plataformas informativas especializadas em assuntos europeus.


Portugal esteve muito nas manchetes de hoje. Na semana passada, o Papa Francisco esteve na cidade portuguesa de Fátima para homenagear duas crianças cujas visões da Virgem Maria há 100 anos marcaram um dos eventos mais importantes da Igreja Católica.
E hoje a Comissão Europeia recomendou o fim do processo disciplinar contra Portugal pelo seu défice orçamental excessivo, o que parece um outro milagre. Este é o tipo de boas notícias de que a UE necessita.
Portugal registou um défice orçamental de 2,0% do produto interno bruto no ano passado, vindo de 4,4% em 2015, e o mais baixo em mais de quatro décadas. A decisão do executivo da UE acontece seis anos depois de Portugal pedir um resgate em 2011 durante a crise da dívida da Zona Euro.
O país é dirigido por uma gestão minoritária do Partido Socialista, mais do que por uma coligação, preenchendo o partido todos os cargos ministeriais. Assenta no apoio dos comunistas e do Bloco de Esquerda para a sua maioria parlamentar, quebrando um tabu que manteve a extrema-esquerda fora do poder desde a Revolução dos Cravos de 1974.
A improvável aliança entre socialistas de centro-esquerda e dois partidos de extrema esquerda superou o profundo ceticismo que se gerara quando foi formada em 2015, alcançando estabilidade e mantendo a recuperação económica num momento de incerteza política por toda a Europa. Contra todas as probabilidades, o gabinete é estável e provou ser capaz de aumentar os salários e manter o défice em baixa.
Até mesmo o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, um conservador, reconhece que o gabinete está a administrar bem o país.
O primeiro-ministro António Costa é o líder do Partido Socialista Português, uma força política inspirada na economia keynesiana. Ele é o único líder de um país da UE de pele escura (nos seus altos cargos, a UE não é diversa). O seu avô paterno era um católico goês. Goa é uma antiga província portuguesa, agora o estado mais rico da Índia.
Antes de assumir o cargo de Primeiro Ministro, Costa ganhou muita popularidade como presidente da Câmara de Lisboa entre 2007 a 2015.
Os portugueses são afetuosos em relação ao seu governo, pois que ele tem sido capaz de desmontar algumas das políticas de austeridade impostas sob o resgate. As sondagens colocam o apoio aos socialistas de Costa em 42%, 10 pontos acima da sua percentagem de votos nas eleições de 2015 e perto de um nível que lhes daria uma maioria no parlamento se o país fosse novamente a votos.
A maioria dos governos europeus de centro-esquerda só pode limitar-se a sonhar com tais resultados. Se o primeiro-ministro esquerdista da Grécia, Alexis Tsipras, que tomou posse apenas três meses antes de Costa, conseguisse seguir os seus passos, tal colocaria certamente em cheque, de uma vez por todas, uma série de estereótipos políticos.

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