(No meio de uma
curta mas esforçada publicação do Social Europe, Understanding the Populist Revolt,
encontramos uma entrevista com Jürgen Habermas, que nos traz uma das mais lúcidas interpretações
das tendências que ameaçam a Europa …)
O Social Europe respira militância mundializante
e agrupa correntes diversas que se recusam a meter a cabeça na areia e assistir
impávidos e inertes à pulverização de uma perspetiva social-democrata,
cosmopolita e europeísta. Entre muita investigação publicada, politicamente
empenhada nessa frente, a edição do Social
Europe Journal (link aqui) dedica um número especial a um conjunto de interpretações sobre
o fenómeno populista, onde se destaca a entrevista com o sociólogo e filósofo
alemão Jürgen Habermas, talvez o maior pensador contemporâneo vivo.
Habermas tem vasta reflexão sobre a crise do capitalismo democrático, de que
as ameaças populistas são uma simples manifestação de algo mais profundo, captável
bem antes da classe política europeia visualizar a referida ameaça. Respondendo
à pergunta do seu entrevistador que se interrogava sobre a possível emergência
de uma espécie de Internacional autoritária, Habermas manifesta-se bem mais
preocupado com as tendências observáveis no interior das sociedades ocidentais
como um todo. Mas não num interior social não identificado. Habermas situa essa
proliferação de tendências nacionalistas e populistas nos meios sociais que nunca
beneficiaram ou beneficiaram incompleta e deficientemente dos tão apregoados
efeitos de ”trickle down” que as
esperanças de prosperidade anunciaram. É nesse campo que a esquerda europeia
deve interrogar-se: por que razão permitiu que a direita e extrema-direita
populista capturasse a reivindicação dos oprimidos e desfavorecidos sob a ilusão
do isolamento nacional. A ilusão de que era possível obter maiorias políticas
cavalgando uma trajetória neo-liberalizante deu origem por reflexo oportunista e
reativo em primeira instância a uma procura mimética das agendas populistas e
nacionalistas, piscando o olho à supressão de direitos, de rejeição de
estrangeiros, ou seja reforçando na prática tais agendas. E aqui Habermas considera-se
um derrotado embora não convencido e resignado: “A
cena política é predominantemente cinzentona, em que por exemplo a agenda de
esquerda pró-globalização orientada em dar forma política a uma sociedade
global crescendo conjuntamente em termos económicos e digitais já não se distingue
de uma agenda neoliberal de abdicação política face ao poder chantagista de bancos
e de mercados não regulados”. Uma posição forte de alguém que
sempre lutou por uma visão progressista da globalização e que nos brinda com
uma interpretação controversa mas sugestiva da figura da senhora Merkel: “Angela Merkel que pode ser conhecida como uma política racional
por vontade própria, favorável a uma expertise pragmática mas também como alguém
que se movimenta segundo uma perspetiva de curto prazo e oportunidade guiada
por uma lógica de poder, surpreendeu-me com a sua política construtiva sobre os
refugiados. A sua última viagem a África mostra que ela tem capacidade para
atuar de uma maneira estratégica e de largo alcance. Mas o que é que significa
que, por outro lado, e isso tem sido assim desde 2010, ela prossiga uma política
para a Europa conduzida segundo a perspetiva estreita dos interesses económicos
nacionais. Na verdade, ela parece pensar apenas em função dos interesses
nacionais no mesmo domínio político em que o nosso governo é incapaz de
fornecer o impulso para construir e aprofundar a União Europeia. A política de
Merkel de curtas vistas sobre a austeridade, mantendo rigidamente o status quo,
impediu os passos adicionais necessários e aprofundou profundamente as divisões
no interior da Europa”.
Clarinho, não?
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