quarta-feira, 17 de maio de 2017

HABERMAS E OS POPULISMOS NACIONALISTAS DE EXTREMA-DIREITA




(No meio de uma curta mas esforçada publicação do Social Europe, Understanding the Populist Revolt, encontramos uma entrevista com Jürgen Habermas, que nos traz uma das mais lúcidas interpretações das tendências que ameaçam a Europa …)

O Social Europe respira militância mundializante e agrupa correntes diversas que se recusam a meter a cabeça na areia e assistir impávidos e inertes à pulverização de uma perspetiva social-democrata, cosmopolita e europeísta. Entre muita investigação publicada, politicamente empenhada nessa frente, a edição do Social Europe Journal (link aqui) dedica um número especial a um conjunto de interpretações sobre o fenómeno populista, onde se destaca a entrevista com o sociólogo e filósofo alemão Jürgen Habermas, talvez o maior pensador contemporâneo vivo.

Habermas tem vasta reflexão sobre a crise do capitalismo democrático, de que as ameaças populistas são uma simples manifestação de algo mais profundo, captável bem antes da classe política europeia visualizar a referida ameaça. Respondendo à pergunta do seu entrevistador que se interrogava sobre a possível emergência de uma espécie de Internacional autoritária, Habermas manifesta-se bem mais preocupado com as tendências observáveis no interior das sociedades ocidentais como um todo. Mas não num interior social não identificado. Habermas situa essa proliferação de tendências nacionalistas e populistas nos meios sociais que nunca beneficiaram ou beneficiaram incompleta e deficientemente dos tão apregoados efeitos de ”trickle down” que as esperanças de prosperidade anunciaram. É nesse campo que a esquerda europeia deve interrogar-se: por que razão permitiu que a direita e extrema-direita populista capturasse a reivindicação dos oprimidos e desfavorecidos sob a ilusão do isolamento nacional. A ilusão de que era possível obter maiorias políticas cavalgando uma trajetória neo-liberalizante deu origem por reflexo oportunista e reativo em primeira instância a uma procura mimética das agendas populistas e nacionalistas, piscando o olho à supressão de direitos, de rejeição de estrangeiros, ou seja reforçando na prática tais agendas. E aqui Habermas considera-se um derrotado embora não convencido e resignado: “A cena política é predominantemente cinzentona, em que por exemplo a agenda de esquerda pró-globalização orientada em dar forma política a uma sociedade global crescendo conjuntamente em termos económicos e digitais já não se distingue de uma agenda neoliberal de abdicação política face ao poder chantagista de bancos e de mercados não regulados”. Uma posição forte de alguém que sempre lutou por uma visão progressista da globalização e que nos brinda com uma interpretação controversa mas sugestiva da figura da senhora Merkel: “Angela Merkel que pode ser conhecida como uma política racional por vontade própria, favorável a uma expertise pragmática mas também como alguém que se movimenta segundo uma perspetiva de curto prazo e oportunidade guiada por uma lógica de poder, surpreendeu-me com a sua política construtiva sobre os refugiados. A sua última viagem a África mostra que ela tem capacidade para atuar de uma maneira estratégica e de largo alcance. Mas o que é que significa que, por outro lado, e isso tem sido assim desde 2010, ela prossiga uma política para a Europa conduzida segundo a perspetiva estreita dos interesses económicos nacionais. Na verdade, ela parece pensar apenas em função dos interesses nacionais no mesmo domínio político em que o nosso governo é incapaz de fornecer o impulso para construir e aprofundar a União Europeia. A política de Merkel de curtas vistas sobre a austeridade, mantendo rigidamente o status quo, impediu os passos adicionais necessários e aprofundou profundamente as divisões no interior da Europa”.

Clarinho, não?

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