(É conhecido que o
economista francês Thomas Piketty apoiou o derrotado Benoît Hamon na primeira volta
das Presidenciais, pelo
que o seu comentário sobre as reformas de que a França necessitará no futuro próximo
valem por um bom testemunho acerca do que é de esperar do efeito-surpresa Macron
…)
Depois da publicação do Capital no Século XXI,
do seu retumbante êxito na sua edição anglo-saxónica e da disseminação do seu
argumento de que o capitalismo enfrenta estruturalmente uma subida do rácio “capital/rendimento”
com a taxa de retorno do capital a superar a de crescimento do rendimento, Piketty
é uma voz de grande reconhecimento público. Sabendo que, originalmente, ele não
é um apoiante de Macron (à primeira volta entenda-se), é relevante conhecer a
interpretação de Piketty sobre as reformas que desafiarão a intervenção de
Macron.
Num post relativamente recente no Le Monde (16 de maio), Piketty refere essencialmente cinco temas sobre os quais
o programa de Macron é vago ou pouco explícito.
O primeiro diz respeito à modernização e unificação do sistema de proteção
social que em França se caracteriza por uma extrema ilegibilidade dada as
sucessivas camadas legislativas construídas em torno do tema. Desse sistema, as
condições de aposentação são extremamente difíceis de interpretar e o sistema está
mal adaptado a trajetórias de emprego que envolvam diferentes modalidades como
o emprego público, o emprego privado, o exercício da função empresarial, ou
seja as denominadas carreiras fragmentadas, cada vez mais representativas das
diferentes trajetórias de atividade.
O segundo diz respeito à proteção no desemprego, onde o desafio continua a
ser o de equilibrar regras mais exigentes de acesso ao subsídio de desemprego
com a necessidade de proteger situações não canónicas de precariedade,
incluindo as que a própria função pública tem vindo a gerar (paralelismos com Portugal).
O desafio da inscrição dos contratos sem termo como norma predominante de relações
laborais para poderem ser antevistas formas mais flexíveis de cessação de
contratos de trabalho por despedimento não é hoje um desafio apenas francês.
O terceiro desafio prende-se com o investimento na formação vocacional que
curiosamente escapa a um programa, o de Macron, que aposta frontalmente na educação
sobretudo nos primeiros anos.
O quarto desafio é o do financiamento da proteção social e da política fiscal,
no âmbito do qual as posições de Piketty são já generalizadamente conhecidas e
traçadas em torno de uma efetiva progressividade dos impostos e a necessidade de
uma convergência mais efetiva entre a contribuição geral para a segurança
social e o imposto sobre o rendimento. Nesta matéria, Piketty está bem mais à frente
do que as posições reservadas de Macron, o qual continua a manter uma diferença
considerável entre as taxas máximas de imposto sobre os rendimentos do capital
(máximo de 30%) e os do trabalho (55%).
Finalmente, do ponto de vista da reforma da Europa é também conhecida a
posição de Piketty: é necessário democratizar as decisões no interior da zona
Euro, propondo uma assembleia da zona euro construída com representantes dos
parlamentos nacionais e do parlamento europeu. O próprio PIketty não está otimista
sobre a criação de condições a breve trecho (eleições na França e na Alemanha)
favoráveis a essa democratização.
De qualquer modo, a orientação que vier a prevalecer no enfrentamento destes
desafios em França acabará por ser determinante para a sua disseminação ou não pela
Europa como um todo.
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