(Num fim de semana
de decisões cruciais lá pela França, por coincidência ou talvez não a minha noite
de sábado ficou marcada por questões de tradição, mas também de sinais como vai o país …)
Entre as cerca de 10 pessoas que viam na intimista sala 2 do novo Trindade o
Fátima de João Canijo e a vasta aglomeração de jovens de capa negra que enchiam
toda a avenida dos Aliados e espaços contíguos estabelecia-se uma espécie e laço
invisível. Afinal, estávamos envolvidos em duas tradições, que se vão renovando
sabemos lá como.
Na tela tínhamos um Canijo contido mas pujante. A visão por dentro de uma peregrinação
de mulheres de Vinhais é um documento de grande força, sobretudo pelo trabalho
feito com um naipe de mulheres artistas de grande disponibilidade para a
identificação com um conjunto de mulheres de um interior profundo em declínio
mas em mutação, conforme os diferentes perfis das mulheres peregrinas o demonstram.
O filme é também um documento sobre os traços de mudança que vão acontecendo
por aquele tipo de territórios, com algumas imagens de grande impacto. Os
territórios esventrados por IP e IC’s que vão mantendo com as origens uma difícil
legibilidade, com péssima integração na estrutura viária existente. Aquele
contraponto magnífico entre a peregrinação e o ambiente infernal da estrada,
com camiões de grande porte que parece que esmagam a vulnerabilidade daquelas
mulheres. A estrutura informal da mulher “gestora” D. Isaura que organiza a
peregrinação em condições que ilustram magnificamente a fragilidade de alguns dos
nossos tecidos sociais por paragens daquele tipo. A contínua tensão que se vai
cavando num grupo com aquelas características com um magnífico José Martins que
surge vindo sabe-se lá de onde para ameaçar aquele grupo e inventar atalhos que
não estão na programação da Dona Isaura. A força espantosa dos nus impiedosos
no banho de meio percurso que, alguns poderão achar excedentário, mas que tem
uma força enorme para nos apresentar a vulnerabilidade cavada pelo tempo das
suas vidas daquelas mulheres. Uma personagem enigmática, a professora, que
creio não ter compreendido bem na lógica daquele grupo. E uma integração final
da peregrinação na cerimónia da procissão de velas, também contida.
As tradições passam pelo filme. Nada é dito sobre o que leva aquelas
mulheres a um sacrifício tão violento. Há um respeito absoluto pela privacidade
desses motivos. Fica no ar a questão de saber se é mais tradição do que devoção,
ou simplesmente o seu contrário. Mas um filme que se recomenda sobretudo pela
coragem da contenção, as imagens do país em mudança e um trabalho de atores notável
com uma bela matéria-prima.
Na Praça era uma outra tradição, a das capas negra agora misturada com uma
outra forma de estar na rua. Uma mole imensa, o Portugal jovem qualificado,
talvez condenado à diáspora, não sabemos se trazendo a energia de mudança de
que tanto precisamos.
Afinal, separados por umas curtas centenas de metros, duas dimensões do país
em que temos de nos rever, no caso da Praça perante a massa anónima de turistas
espantados com toda aquela encenação.
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