domingo, 3 de fevereiro de 2019

APROFUNDAMENTO PRECISA-SE


O meu último post foi escrito de rajada, entre uma marcante concordância com o escrito do meu parceiro de blogue e a irritação que vou acumulando perante as inenarráveis e provocatórias intervenções televisivas de um jornalista pouco isento como é José Gomes Ferreira. Não obstante, devo reconhecer que vários dos assuntos que estiveram presentes na entrevista ao ministro do Ambiente têm bastante que se lhe diga e não podem ser reduzidos a uma simplista oposição entre o preto e o branco. Ora, e nem de propósito, apanhei no fim de semana uma outra entrevista —esta radiofónica e a um economista que nem aprecio por aí além pela sua ortodoxia e matriz conservadora —que veio colocar em equação alguns tópicos relevantes. Aqui quero deixar, para devido registo e reflexão, os que têm a ver com a questão que dominou a semana —os automóveis a gasóleo — e com a política energética do País, esta uma matéria assaz complexa e que divide grandemente os especialistas desde há, pelo menos, duas décadas.

Quanto aos automóveis, tudo se resumirá essencialmente a uma diferença de oportunidade e prazo. Cito: “Vi com alguma preocupação [a polémica sobre os carros a gasóleo irem perder o seu valor de troca em três a quatro anos], porque acho que são umas declarações um bocadinho extemporâneas face àquilo que é razoável imaginar que é o prazo de adaptação a uma tecnologia diferente. Todos nós sabemos que os carros movidos a combustíveis com origem fóssil, nomeadamente a gasolina e o gasóleo, terão provavelmente na sociedade do futuro um fim, estão condenados, é normal. (...) A questão é qual é o prazo razoável para se fazer a transição e se mudar todo um stock de automóveis que existem num país. Eu até diria mais: se o ministro quisesse ser consequente, diria que as pessoas que têm um carro a diesel até teriam um valor negativo porque, se ninguém dá nada por um automóvel, o automóvel passa a ser um passivo e uma responsabilidade — onde é que se mete aquilo, o é que se faz, como é que se destrói — e, portanto, eu até teria que pagar alguém para me ver livre do automóvel. Portanto, se quisermos ir na lógica do senhor ministro, diria que daqui a quatro anos aqueles que tiverem um automóvel terão de pagar para se desfazer dele. E, portanto, estando de acordo estruturalmente com o ministro — sentindo que, de facto, há uma pressão enorme na sociedade para mudarmos e ajustarmos as fontes energéticas da mobilidade àquilo que é a exigência da manutenção do nosso Planeta e da minimização da pegada ecológica —, eu diria que a minha diferença face a ele está no prazo razoável. Agora, eu também antecipo que as coisas vão sendo um pouco mais difíceis à medida que o tempo vai passando e é provável que, dentro de alguns anos (até podem ser quatro ou cinco), se comece a limitar a entrada de alguns tipos de veículos dentro das cidades, mas há vários tipos de diesel — nem todo o diesel é igual, nem todos os carros são igualmente poluentes — e, portanto, nós temos que carros a diesel hoje poluem muito menos do que carros novos, poluem muito menos poluentes do que carros antigos a gasolina, para além de que um carro elétrico hoje tem uma pegada ecológica por entrada e de impacto a nível de CO2 que é superiorà partida para pequenas deslocações do que para grandes deslocações comparado com um carro diesel. Portanto, há um período de transição, nós percebemos isso, acho é que o senhor ministro foi demasiado alarmista face ao prazo até de razoabilidade — como é que nós vamos mudar um país de uma forma imediata, isto é praticamente imediato, quatro anos. (...) Então vamos mudar isto de um momento para o outro para quê?“

Quanto à energia, começo pela questão das eólicas e do alegado avanço excessivamente rápido do País para as mesmas ao tempo de Manuel Pinho e daqueles cartazes que encheram as ruas das nossas cidades a proclamarem-nos campeões em crescimento nas renováveis. Disse Mateus: “Tenho estado a estudar os setores de infraestrutura sujeitos a regulação em Portugal e há dois setores que, de facto, me preocupam muito: um é o setor da Energia em que, segundo a ERSE, o cálculo dos sobrecustos desde 2006 até atualmente é da ordem dos 22,5 mil milhões de euros, portanto é um valor extraordinário; porque nós poderíamos, no fundo, vender a energia ao consumidor final a um preço de metade daquele que está atualmente e repare-se que, por exemplo, em relação aos países com os quais mais concorremos —a Europa de Leste — nós temos uma energia a um custo que é o triplo destes países. Isto foi o resultado de vários erros de política, do meu ponto de vista: o primeiro é que se avançou para as eólicas de uma forma muito rápida em que a tecnologia ainda não estava madura e têm-se assegurado aos produtores de eólicas preços muito mais elevados do que noutros mercados; outro aspeto é a intermitência das eólicas, não está a soprar sempre vento e, portanto, temos que duplicar a capacidade para poder manter o sistema elétrico estável.” E sublinhou: “Foi um exagero [aquilo que o Governo de José Sócrates fez] e a sua introdução em massa foi demasiado cedo por causa da tecnologia, que não estava madura.”

Ainda quanto à energia, falou-se também das “rendas excessivas”. Assim: “O apurar para o passado das chamadas ‘rendas excessivas’ e procurar retirar alguém que poderá ter recebido essas rendas parece-me difícil. Agora, o que me parece que seria um grande erro é não aprendermos com os erros do passado. Repare que Portugal é o segundo país a nível europeu com maior montante de eólicas — o único país que tem mais é a Dinamarca, nós temos à volta de 25% do consumo final, a Dinamarca tem à volta de 40%; mas a Dinamarca tem uma posição porque tem ao pé a Noruega e a Suécia, onde vai buscar energia muito mais barata (à Noruega à base das hídricas, a Suécia à base da nuclear); há uma interligação muito grande entre os países nórdicos e nós não temos as mesmas condições (...). Isto obedece, naturalmente, a um estudo de descarbonização da eletricidade, mas neste Portugal já produz 50% da energia limpa, por causa das hídricas que são muito importantes em Portugal, portanto estamos muito acima do objetivo de 30% que a Comissão Europeia tinha fixado.” E, em complemento, Mateus acrescentou depois: “Não, não faz ainda sentido [o panorama de políticas atuais no setor da energia] porque ainda estamos sob a influência de tudo isto. Aquilo que eu disse no Parlamento é que é preciso pensar num plano energético em que se altere de uma forma profunda esta orientação — eu apelei para que os planos energéticos tenham de ser a longo prazo, 2020 a 2030 e nós hoje, economistas e engenheiros, temos técnicas de otimizar sistemas, isso acontece nas empresas em todo o lado, também tem de acontecer no setor público, nas políticas. Isto é, o que é importante é reduzir o custo final para o consumidor; depois, com algumas restrições: estabilidade do sistema, mínimo de objetivo em termos de energia limpa, etc.; mas é preciso otimizar o sistema.”

Tudo visto e ponderado, há ainda muito para esclarecer e clarificar até que se tornem mais claras e objetivas as respostas que todos procuramos nestes domínios. Sobretudo quando as mesmas relevam de opções políticas discutíveis e nem sempre bem preparadas/justificadas, por um lado, ou de uma conflitualidade implícita entre temporalidades e soluções associadas à dimensão técnico-económica versus ambiental, por outro.

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