quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

HOJE À NOITE, NAS TERRAS DA MAIA



(Que me perdoem os maiatos e o José António Lameiras, mas só o José Carlos Mota ma faria sair de casa numa noite provavelmente húmida e fria de quinta-feira, com o aquecimento caseiro a sugerir que fique, para ir participar numa sessão pública no âmbito do processo participativo de revisão do PDM da Maia. Cabe-me alguma prospetiva em termos de desenvolvimento económico e de tecnologia, oportunidade para trabalhar alguns temas obsessivos da minha reflexão nos últimos tempos, a partir sobretudo da inserção metropolitana da Maia.)

Tenho uma especial admiração pela energia, imaginação e criatividade com que o José Carlos Mota (Universidade de Aveiro) dinamiza processos participativos de âmbito urbano e local, designadamente na sua Cidade. Não conheço muitos outros Atores que tão espontânea e competentemente animem processos desta natureza. E como eles são relevantes do ponto de vista do planeamento e do robustecimento das sociedades civis locais. Aliás, talvez tenhamos assistido a juízos demasiado precipitados sobre a eventualidade do planeamento necessitar de ir além do paradigma participativo e buscar novos rumos, ainda que a sua principal representante Patsy Healey o tenha ela próprio sugerido. Mas entendo que a plena concretização da inspiração que podemos mobilizar a partir da obra de Habermas está longe de estar realizada. E no âmbito da inspiração aristotélica de conjugar no planeamento os princípios do conhecimento (ciência), da técnica e capacidade de resolução de problemas concretos (a techne) e da virtude prudência ou fronésis (tão estudadas por Foucault e por Bent Flyvbjerg a partir da inspiração de Aristóteles na Ética a Nicómaco) os processos participativos em torno de causas concretas estão longe, a meu ver, de estar esgotados.

Por isso, só o José Carlos Mota conseguiria demover-me de me quedar no aconchego do ninho aquecido, mesmo que as quintas-feiras sem Quadratura do Círculo não sejam a mesma coisa.

Pedem-me para, no âmbito do processo de revisão do PDM da Maia introduzir algumas reflexões prospetivas em matéria de desenvolvimento económico e de tecnologia.

Cidadão metropolitano por natureza e trabalho, as minhas ligações à Maia datam de tempos para os quais me escasseia já memória. Filho único, fraquito de carnes nos primeiros anos e com uma primo-infeção pulmonar a complicar o processo, imaginem, e o dinheiro de uma família pequeno-burguesa não dava na altura para mais, que os meus pais me levaram, creio que em dois anos sucessivos, a passar férias numa pensão de bom apreço e alimentação nos ares considerados saudáveis da Maia. Alguma família do lado materno completou estas origens e por isso o território das bem férteis Terras da Maia não me é desconhecido. O que não significa que tenha conhecimento sem estudo específico para ousar influenciar o trabalho que o José António Lameiras coordena.

O tema que me é proposto sugere que regresse a alguns temas obsessivos da minha reflexão mais recente. Mas por esta via pisamos terrenos movediços. A muito pequena dimensão da economia portuguesa, obviamente agravada quando descemos ao sub-regional e ao local, coloca-nos por vezes perante a incómoda interrogação: será legítimo trabalhar a prospetiva dos tempos atuais a nível europeu e mundial e projetá-la na minguada dimensão das nossas coisas e problemas?

O tempo é curto para esta sessão e por isso vou concentrar-me em três tópicos relativamente gerais e procurar no fim situar-me no futuro metropolitano da Maia inserida numa região que tem um problema central a resolver, como o haverei de identificar.

O primeiro tópico pode ser descrito pelo título de uma crónica recente de Paul Krugman no New York Times: o futuro económico já não é o que era!” (link aqui). Devemos esta reflexão a um conjunto de economistas americanos mas a sua abrangência atinge hoje a generalidade das economias mais avançadas que devem continuar a ser a nossa fonte de inspiração. Os economistas trabalham muito sobre um conceito quando a sua atenção está orientada para as questões do tempo longo. Chama-se produto potencial e procura representar (medir é uma questão mais precária) o máximo produto que uma economia pode alcançar com plena utilização dos seus recursos (de vária ordem), incluindo aqui o conhecimento suscetível de translação para a economia e para as empresas. Ora, ao contrário do que inadvertidamente muito boa gente pensa, este produto potencial não é sempre portador do mesmo futuro. Aliás, estamos em tempos, ou seja no período de relativa agonia económica após a Grande Recessão de 2007-2008, em que o produto potencial das principais economias avançadas está mais limitado. Por outras palavras, podemos hoje aspirar a um futuro económico mais sombrio do que o poderíamos esperar no fim dos anos 90 e inícios da década de 2000. O que desperta mil contradições e mais uma. Mas não é que o progresso tecnológico continuou e a prometer muito? Sim, continuou, mas esse progresso tecnológico pode ter repercussões no crescimento económico menos brilhantes ou pelo menos mais diferidas no tempo. E, além disso, apesar do quase pleno emprego de algumas economias (como, por exemplo, nos EUA), o rácio Emprego/População está em alguns países ainda a baixo dos níveis anteriores a 2007-2008. Aparentemente, há gente que saiu do mercado de trabalho pelos efeitos da crise e a ele não regressou apesar de o poder e haver melhores condições para o fazer.

Haverá certamente problemas de medida do produto que nós economistas ainda não conseguimos satisfatoriamente resolver, sobretudo em tempos de profunda mutação digital. Mas parece inequívoco que o produto potencial a que podemos aspirar, mesmo descontando esses problemas de medida, está abaixo das perspetivas de outros tempos. Numa altura em que muitos torcem o nariz aos fracos números de crescimento da economia portuguesa, ter este tópico presente parece ser uma questão de sanidade mental. Por muito que o desejássemos, Portugal não tem condições para reproduzir mimeticamente o crescimento económico irlandês, ele próprio indissociável de alguma contabilidade criativa da Google, Apple e outros gigantes.

O segundo tópico está claramente associado com o primeiro. Numa época de deslumbre tecnológico, e não estou apenas a referir-me à sedução dos gadgets e artefactos tecnológicos a que também não resisto, o brilho em termos de crescimento não é similar, é bem mais baço. Não vou especular ao ponto de vos dizer que as tecnologias já não são o que eram em termos de crescimento económico. Mas há uma coisa segura que podemos avançar: nunca houve na história da tecnologia mutações tecnológicas com reflexos rápidos e imediatos na produtividade e no crescimento. Antes pelo contrário. O diferimento de efeitos, determinado pelas necessidades de adaptação organizativas, de competências, de gestão, está garantido e não é pequeno. Por vezes são necessárias duas a três décadas para haver repercussões na produtividade. Mas outros vão mais longe e deixo-vos com essa interrogação, que também faz parte da prospetiva: intrinsecamente, as tecnologias de hoje (a revolução digital) podem apresentar um conteúdo de crescimento menos saliente. Porquê? É um tema para outras ambições.

Mas o que é ainda mais intrigante nos tempos de hoje são as evidências já abordadas em investigação em curso (está para publicação um artigo de Phil Cook, designado de “World Turned Upside Down: Entrepreneurial Decline, its Reluctant Myths and Troubling Realities) de que o empreendedorismo de base tecnológica está em declínio. Ei lá! Então glorifica-se por cá o empreendedorismo tecnológico, com honras de tudo quanto é SUMMIT internacional, e dizem-me que ele está em declínio por todo o mundo economicamente avançado. Pois é verdade meu caro. Faz parte do puzzle tecnológico em que estamos mergulhados e cuja resolução tateamos.

O terceiro tópico não é para brincadeiras, pois mexe, confunde-se e arrasta consigo o populismo político. A globalização empancou, não porque finalmente o reformismo inteligente se chegou à frente para remediar o que alguns economistas mais lúcidos o perceberam. A globalização nunca conseguirá em simultâneo aprofundar a integração económica e financeira, respeitar o Estado –Nação e preservar a barganha social em democracia, ou seja manter a própria democracia. Não foi o reformismo inteligente que comandou o processo e a questão passou ao lado de uma perturbada social-democracia. Foi o populismo mais insidioso que tomou conta do tema, apropriou-o nas urnas, capitalizando o descontentamento legítimo dos perdedores. E o protecionismo cego e estúpido chegou. Coisa para preocupar uma economia que já anda pelos 45% de produto em transacionáveis.

Três tópicos de prospetiva talvez distantes dos maiatos e dos seus representantes eleitos. Mas pertinentes, num concelho metropolitano, inserido no complexo de infraestruturas para a competitividade que puxa o país para a aventura promissora dos transacionáveis. Pertinentes também para um concelho inserido numa Região, o Norte, sobre o qual pesa esta questão que eu penso ser orientadora de tudo quanto é reflexão estratégica sobre a Região: o que é que explica a desconformidade observada entre potenciais e dinamismos revelados e o baixo nível de desenvolvimento socioeconómico (o Norte tem o PIB per capita e a produtividade aparente do trabalho mais baixa das 7 regiões NUTS II do país) e de que modo a coesão territorial e o seu reforço participam nessa equação?

O Norte, a AMP e também a Maia respiram dinamismo e vários dinamismos os atravessam. Porquê então o PIB per capita e a produtividade aparente do trabalho é tão baixa? É de uma desconformidade de perceções que se trata?

Eis os fundamentos da reflexão prospetiva que vos trago.

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