(Que me perdoem os maiatos e o José António Lameiras, mas só o José Carlos
Mota ma faria sair de casa numa noite provavelmente húmida e fria de
quinta-feira, com o aquecimento caseiro a sugerir que fique, para ir participar
numa sessão pública no âmbito do processo participativo de revisão do PDM da
Maia. Cabe-me alguma prospetiva em
termos de desenvolvimento económico e de tecnologia, oportunidade para
trabalhar alguns temas obsessivos da minha reflexão nos últimos tempos, a
partir sobretudo da inserção metropolitana da Maia.)
Tenho uma especial admiração pela energia, imaginação e criatividade com
que o José Carlos Mota (Universidade de Aveiro) dinamiza processos
participativos de âmbito urbano e local, designadamente na sua Cidade. Não
conheço muitos outros Atores que tão espontânea e competentemente animem
processos desta natureza. E como eles são relevantes do ponto de vista do
planeamento e do robustecimento das sociedades civis locais. Aliás, talvez
tenhamos assistido a juízos demasiado precipitados sobre a eventualidade do
planeamento necessitar de ir além do paradigma participativo e buscar novos
rumos, ainda que a sua principal representante Patsy Healey o tenha ela próprio
sugerido. Mas entendo que a plena concretização da inspiração que podemos
mobilizar a partir da obra de Habermas está longe de estar realizada. E no
âmbito da inspiração aristotélica de conjugar no planeamento os princípios do
conhecimento (ciência), da técnica e capacidade de resolução de problemas
concretos (a techne) e da virtude
prudência ou fronésis (tão estudadas
por Foucault e por Bent Flyvbjerg a partir da inspiração de Aristóteles na Ética a Nicómaco) os processos
participativos em torno de causas concretas estão longe, a meu ver, de estar
esgotados.
Por isso, só o José Carlos Mota conseguiria demover-me de me quedar no
aconchego do ninho aquecido, mesmo que as quintas-feiras sem Quadratura do
Círculo não sejam a mesma coisa.
Pedem-me para, no âmbito do processo de revisão do PDM da Maia introduzir
algumas reflexões prospetivas em matéria de desenvolvimento económico e de
tecnologia.
Cidadão metropolitano por natureza e trabalho, as minhas ligações à Maia
datam de tempos para os quais me escasseia já memória. Filho único, fraquito de
carnes nos primeiros anos e com uma primo-infeção pulmonar a complicar o
processo, imaginem, e o dinheiro de uma família pequeno-burguesa não dava na
altura para mais, que os meus pais me levaram, creio que em dois anos
sucessivos, a passar férias numa pensão de bom apreço e alimentação nos ares
considerados saudáveis da Maia. Alguma família do lado materno completou estas
origens e por isso o território das bem férteis Terras da Maia não me é
desconhecido. O que não significa que tenha conhecimento sem estudo específico
para ousar influenciar o trabalho que o José António Lameiras coordena.
O tema que me é proposto sugere que regresse a alguns temas obsessivos da
minha reflexão mais recente. Mas por esta via pisamos terrenos movediços. A
muito pequena dimensão da economia portuguesa, obviamente agravada quando
descemos ao sub-regional e ao local, coloca-nos por vezes perante a incómoda
interrogação: será legítimo trabalhar a prospetiva dos tempos atuais a nível
europeu e mundial e projetá-la na minguada dimensão das nossas coisas e
problemas?
O tempo é curto para esta sessão e por isso vou concentrar-me em três
tópicos relativamente gerais e procurar no fim situar-me no futuro
metropolitano da Maia inserida numa região que tem um problema central a
resolver, como o haverei de identificar.
O primeiro tópico pode ser descrito pelo título de uma crónica recente de
Paul Krugman no New York Times: “o futuro económico já não é o que era!”
(link aqui). Devemos esta reflexão a um conjunto de economistas americanos mas
a sua abrangência atinge hoje a generalidade das economias mais avançadas que
devem continuar a ser a nossa fonte de inspiração. Os economistas trabalham
muito sobre um conceito quando a sua atenção está orientada para as questões do
tempo longo. Chama-se produto potencial e procura representar (medir é uma
questão mais precária) o máximo produto que uma economia pode alcançar com
plena utilização dos seus recursos (de vária ordem), incluindo aqui o
conhecimento suscetível de translação para a economia e para as empresas. Ora,
ao contrário do que inadvertidamente muito boa gente pensa, este produto
potencial não é sempre portador do mesmo futuro. Aliás, estamos em tempos, ou
seja no período de relativa agonia económica após a Grande Recessão de
2007-2008, em que o produto potencial das principais economias avançadas está
mais limitado. Por outras palavras, podemos hoje aspirar a um futuro económico
mais sombrio do que o poderíamos esperar no fim dos anos 90 e inícios da década
de 2000. O que desperta mil contradições e mais uma. Mas não é que o progresso
tecnológico continuou e a prometer muito? Sim, continuou, mas esse progresso
tecnológico pode ter repercussões no crescimento económico menos brilhantes ou
pelo menos mais diferidas no tempo. E, além disso, apesar do quase pleno
emprego de algumas economias (como, por exemplo, nos EUA), o rácio
Emprego/População está em alguns países ainda a baixo dos níveis anteriores a
2007-2008. Aparentemente, há gente que saiu do mercado de trabalho pelos
efeitos da crise e a ele não regressou apesar de o poder e haver melhores
condições para o fazer.
Haverá certamente problemas de medida do produto que nós economistas ainda
não conseguimos satisfatoriamente resolver, sobretudo em tempos de profunda
mutação digital. Mas parece inequívoco que o produto potencial a que podemos
aspirar, mesmo descontando esses problemas de medida, está abaixo das
perspetivas de outros tempos. Numa altura em que muitos torcem o nariz aos
fracos números de crescimento da economia portuguesa, ter este tópico presente
parece ser uma questão de sanidade mental. Por muito que o desejássemos,
Portugal não tem condições para reproduzir mimeticamente o crescimento
económico irlandês, ele próprio indissociável de alguma contabilidade criativa
da Google, Apple e outros gigantes.
O segundo tópico está claramente associado com o primeiro. Numa época de
deslumbre tecnológico, e não estou apenas a referir-me à sedução dos gadgets e artefactos tecnológicos a que
também não resisto, o brilho em termos de crescimento não é similar, é bem mais
baço. Não vou especular ao ponto de vos dizer que as tecnologias já não são o
que eram em termos de crescimento económico. Mas há uma coisa segura que
podemos avançar: nunca houve na história da tecnologia mutações tecnológicas
com reflexos rápidos e imediatos na produtividade e no crescimento. Antes pelo
contrário. O diferimento de efeitos, determinado pelas necessidades de
adaptação organizativas, de competências, de gestão, está garantido e não é
pequeno. Por vezes são necessárias duas a três décadas para haver repercussões
na produtividade. Mas outros vão mais longe e deixo-vos com essa interrogação,
que também faz parte da prospetiva: intrinsecamente, as tecnologias de hoje (a
revolução digital) podem apresentar um conteúdo de crescimento menos saliente.
Porquê? É um tema para outras ambições.
Mas o que é ainda mais intrigante nos tempos de hoje são as evidências já
abordadas em investigação em curso (está para publicação um artigo de Phil
Cook, designado de “World Turned Upside
Down: Entrepreneurial Decline, its Reluctant Myths and Troubling Realities)
de que o empreendedorismo de base tecnológica está em declínio. Ei lá! Então
glorifica-se por cá o empreendedorismo tecnológico, com honras de tudo quanto é
SUMMIT internacional, e dizem-me que ele está em declínio por todo o mundo
economicamente avançado. Pois é verdade meu caro. Faz parte do puzzle
tecnológico em que estamos mergulhados e cuja resolução tateamos.
O terceiro tópico não é para brincadeiras, pois mexe, confunde-se e arrasta
consigo o populismo político. A globalização empancou, não porque finalmente o
reformismo inteligente se chegou à frente para remediar o que alguns
economistas mais lúcidos o perceberam. A globalização nunca conseguirá em
simultâneo aprofundar a integração económica e financeira, respeitar o Estado
–Nação e preservar a barganha social em democracia, ou seja manter a própria
democracia. Não foi o reformismo inteligente que comandou o processo e a
questão passou ao lado de uma perturbada social-democracia. Foi o populismo
mais insidioso que tomou conta do tema, apropriou-o nas urnas, capitalizando o
descontentamento legítimo dos perdedores. E o protecionismo cego e estúpido
chegou. Coisa para preocupar uma economia que já anda pelos 45% de produto em
transacionáveis.
Três tópicos de prospetiva talvez distantes dos maiatos e dos seus representantes
eleitos. Mas pertinentes, num concelho metropolitano, inserido no complexo de infraestruturas
para a competitividade que puxa o país para a aventura promissora dos
transacionáveis. Pertinentes também para um concelho inserido numa Região, o
Norte, sobre o qual pesa esta questão que eu penso ser orientadora de tudo
quanto é reflexão estratégica sobre a Região: o que
é que explica a desconformidade observada entre potenciais e dinamismos
revelados e o baixo nível de desenvolvimento socioeconómico (o Norte tem o PIB
per capita e a produtividade aparente do trabalho mais baixa das 7 regiões NUTS
II do país) e de que modo a coesão territorial e o seu reforço participam nessa
equação?
O Norte, a AMP e também a Maia respiram dinamismo e vários dinamismos os
atravessam. Porquê então o PIB per capita
e a produtividade aparente do trabalho é tão baixa? É de uma desconformidade
de perceções que se trata?
Eis os fundamentos da reflexão prospetiva que vos trago.
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