(Madrid está ao rubro. No Congresso dos Deputados, vulgo Parlamento,
joga-se a realização de eleições antecipadas, com a mais que provável
reprovação do Orçamento para 2019. No Supremo Tribunal, inicia-se o julgamento
dos 12 personagens políticos do independentismo catalão, nove dos quais em
prisão preventiva há largos meses. Dificilmente uma combinação mais explosiva teria sido possível. Por isso,
manter o julgamento dos 12 no estrito campo jurídico-penal é uma
impossibilidade.)
Os dois acontecimentos de Madrid têm naturalmente no seu coração o
independentismo catalão.
No Congresso dos Deputados, o PSOE de Sánchez tentou tudo para obter a
aprovação do Orçamento que lhe permitiria governar em princípio até ao termo da
legislatura, numa espécie de geringonça temperada pelo regionalismo. Cedeu para
além do recomendável. Ter aceite uma espécie de mediador-negociador com a
Generalitat é muito comprometedor para o ambiente constitucional espanhol e
dividiu o PSOE. Por que carga de água uma região autónoma necessita de um
negociador para além dos mecanismos normais de concertação no interior do
Estado? Mas Sánchez cedeu. Porém, em fim de linha, os catalães vieram exigir
uma nova condição, reconhecer o direito à autodeterminação. O que mostra bem
que o independentismo catalão, enquanto tiver peso eleitoral para tal, não está
de boa-fé e quer não só esticar a corda, mas rompê-la. Claro que tal
inflexibilidade e má-fé vai levar a direita espanhola ao poder, numa coligação
ou acordo parlamentar que tresanda a bafio, podendo trazer consigo um
significativo recuo da autonomia regional em Espanha.
No Supremo Tribunal, é o radicalismo para o qual o independentismo catalão
foi empurrado que estará em julgamento. Rajoy optou pela via da judicialização
para levar às cordas os independentistas. Tinha matéria judicial para tal, não
o questiono. Os independentistas quiseram deliberadamente romper a corda, não
foi um acidente de manifestação. Mas por mais impolutos e imparciais que sejam
os juízes que assumirão a deliberação de condenar ou absolver a ilusão de que
tudo se poderia passar no estrito plano jurídico-penal revela uma grande
ingenuidade, sobretudo de não ter sabido antecipar o rumo mais que provável da
dinâmica dos acontecimentos. O julgamento e a mais que esperada condenação dos
12 independentistas constituirá o evento produtor de mártires políticos que o
independentismo necessitava para agrilhoar os seus curricula. Isto de
reivindicar a existência de presos políticos em países democráticos e com o
Estado de Direito a funcionar em pleno tem que se lhe diga. O profundo
mediatismo do julgamento e o seu prolongamento pelo menos por três meses é uma
autêntica semente do martírio. O Governo de Sánchez bem tentou recuperar
politicamente o processo. Numa figura que não existe em Portugal, em que a
Fiscalía representa a Justiça e os advogados do Estado o governo, as penas
pedidas por estes últimos são bem menos pesadas do que as exigidas pela
primeira, fazendo desaparecer da acusação alguns crimes.
Pelo que se foi percebendo da primeira sessão do julgamento hoje realizada,
os advogados de defesa bateram essencialmente na tecla da não independência do
Supremo Tribunal e na pseudo violação de direitos constitucionais dos acusados,
questão que não me convence mas pesa mediaticamente e isso é o que por agora
interessa aos independentistas. Para complicar ainda mais o processo, a
extrema-direita espanhola representada pelo emergente VOX aparece no julgamento
protagonizando uma acusação popular contra os 12 independentistas. Só este
dado, por si só, atira por terra toda a ingenuidade política de se pensar que o
julgamento poderia passar-se no estrito domínio de influência do
jurídico-penal. O PP bem se esforçou hoje por tentar convencer os seus agora
aliados do VOX a afastarem-se do processo. O editorial do El País é também um
alerta desesperado e sem sentido para que o julgamento se confine ao plano
estritamente jurídico (link aqui). A questão é bem mais complexa do que o
argumento de Carlos Cué, também no El País (link aqui) , de que o julgamento deixou a
política desarmada e sem poder de intervenção. O problema é que o próprio
julgamento dificilmente poderá ser entendido como algo de estritamente
jurídico. Ou seja, a confusão e o granel são totais.
Da pena de Xosé Luis Barreiro Rivas vem esta metáfora (link aqui):
“Como politólogo não sei explicar porquê, em
vez de optar por uma louca galopada em direção à mudança ou por uma trincheira
no imobilismo, optámos pela pior solução: a de ser uma nora num canal sem água,
que não sabe o que é o sossego e que gira e aborrece, absurdamente e sem chegar
a parte alguma. Por isso vou deixar para León Felipe, que tanto sabia de caminhos
e saudades, a última explicação:
‘ Não é o que me traz cansado
este caminho de agora …
Não cansa
uma volta só
cansa o estar todo o dia
hora atrás de hora
e um dia atrás de dia e um ano
e ano atrás de ano uma vida
dando voltas à nora.’"
Poderão dizer-me que o impasse não é total. Os Pressupuestos de 2019 não
passarão, as eleições antecipadas precipitar-se-ão, é será bem provável que a solução
utilizada na Andaluzia possa prevalecer no próximo Congresso de Deputados. E
com a direita no poder e sem novas eleições regionais na Catalunha (com a incógnita
de qual será o número de deputados os regionalismos poderão alcançar nas eleições
nacionais) a probabilidade de uma nova aplicação do 155º na Catalunha aumentará
significativamente, abrindo-se a Caixa de Pandora de uma nova escalada de tensão.
O que valerá eleitoralmente o independentismo catalão nesse novo contexto não
arrisco antecipá-lo. Poderá o catalanismo não independentista ressurgir e
ganhar de novo alguma expressão? Tenho sérias dúvidas.
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