terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

ARTE E IDENTIDADE



(Sabe-se lá por que razões tenho-me aproximado da cultura espanhola nos últimos tempos. No plano musical, enquanto aguardo o esgotado disco de Rosalía que passou meteoricamente pelos nossos escaparates, não pude ficar indiferente à sua passagem pelos Goya, os Óscares espanhóis. Foi um momento bonito como se pode constatar pela visualização do vídeo, numa interpretação só com as vozes de Rosalía e as de um coro juvenil com origem na Catalunha, o Cor Jove de l'Orfeó Català.)

A intervenção de Rosalía vale por si, é um momento de profunda intimidade, recuperando uma canção creio dos anos 80 de um duo Los Chunguitos que emergiu num filme do grande Carlos Saura, Deprisa, Deprisa. A canção chama-se Me Quedo Contigo sendo também conhecida por Si me vaes elegir e adquire de facto na presença marcante de Rosalía no palco uma outra dimensão (link aqui).

Mas não é por este motivo que tenho andado em redor do êxito fulgurante de Rosalía. O título do post aponta para uma controvérsia que tem emergido em Espanha, na sequência da profunda e por vezes violenta reação de alguns elementos liderantes da cultura cigana contra os pretensos ataques de Rosalía à identidade da cultura cigana. Dizem essas personalidades que alguém originário de meios abastados não pode apropriar-se dos símbolos mais diferenciadores e singulares dessa cultura. Como se a apropriação e defesa desses símbolos estivessem limitados às origens da opressão e da marginalização.

O problema é que o êxito popular de Rosalía tem sido vertiginoso, o que pode ser entendido como uma espécie de veredicto popular contra os purismos identitários em torno do flamengo e das suas marcas. Ouvindo a qualidade de Rosalía sou dos que tende a ignorar a luta, por muito respeitável que ela seja, desses purismos. Para mim, as tendências vão coexistir. O flamengo mais puro irá porventura resistir, mas quando emerge um meteorito como Rosalía toda a apropriação é perdoada.

Venha de lá esse disco para poder gozar de uma audição mais cuidada. Por agora, o You Tube compensa e quedo-me, não contigo, mas com o momento mágico dos Goya.

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