(Sabe-se lá por que razões tenho-me aproximado da cultura
espanhola nos últimos tempos. No plano musical, enquanto aguardo o esgotado
disco de Rosalía que passou meteoricamente pelos nossos escaparates, não pude
ficar indiferente à sua passagem pelos Goya, os Óscares espanhóis. Foi um momento bonito como se pode constatar pela
visualização do vídeo, numa interpretação só com as vozes de Rosalía e as de um
coro juvenil com origem na Catalunha, o Cor Jove de l'Orfeó Català.)
A intervenção de Rosalía vale por si, é um momento de profunda intimidade,
recuperando uma canção creio dos anos 80 de um duo Los Chunguitos que emergiu
num filme do grande Carlos Saura, Deprisa, Deprisa. A canção chama-se Me
Quedo Contigo sendo também conhecida por Si me vaes elegir e adquire
de facto na presença marcante de Rosalía no palco uma outra dimensão (link aqui).
Mas não é por este motivo que tenho andado em redor do êxito fulgurante de
Rosalía. O título do post aponta para uma controvérsia que tem emergido em
Espanha, na sequência da profunda e por vezes violenta reação de alguns
elementos liderantes da cultura cigana contra os pretensos ataques de Rosalía à
identidade da cultura cigana. Dizem essas personalidades que alguém originário
de meios abastados não pode apropriar-se dos símbolos mais diferenciadores e
singulares dessa cultura. Como se a apropriação e defesa desses símbolos
estivessem limitados às origens da opressão e da marginalização.
O problema é que o êxito popular de Rosalía tem sido vertiginoso, o que
pode ser entendido como uma espécie de veredicto popular contra os purismos identitários
em torno do flamengo e das suas marcas. Ouvindo a qualidade de Rosalía sou dos
que tende a ignorar a luta, por muito respeitável que ela seja, desses purismos.
Para mim, as tendências vão coexistir. O flamengo mais puro irá porventura
resistir, mas quando emerge um meteorito como Rosalía toda a apropriação é perdoada.
Venha de lá esse disco para poder gozar de uma audição mais cuidada. Por
agora, o You Tube compensa e quedo-me, não contigo, mas com o momento mágico dos
Goya.
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