segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

VENEZUELA



(Sobre a tragédia ditatorial de uma Venezuela sob a deriva de Maduro já foi tudo praticamente dito. A história mostrou-nos frequentemente que os discípulos dos caudilhos são bem piores do que os seus mestres e a teoria ensinou-nos que a riqueza de recursos naturais é efetivamente uma maldição que pesa sobre o subdesenvolvimento. Maduro e a Venezuela de hoje estão determinados em confirmar esses dados da história e da teoria económica. Mas o problema não é esse. É antes a questão de saber como se intervém numa situação de pura deriva sem acender o rastilho do confronto civil e militar.)

Acabo de me irritar com a visualização de uma entrevista na SIC Notícias ao Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, o amigo Augusto Santos Silva. Um garnizé de jornalista esforçado em mostrar serviço tentou, primeiro, mostrar em vão e sob enorme fracasso que o governo de Portugal ia a reboque dos europeus mais poderosos. Derrotado pela resposta clara e firme do Ministro, o garnizé tentou evoluir pela conhecida denúncia da hipocrisia da diplomacia económica, regressando para isso aos tempos de Sócrates e dos negócios com a Venezuela de Chávez. Também por este caminho viu os seus intentos gorados, acabando por despedir-se simpaticamente do Ministro que uma vez mais mostrou a segurança necessária para enfrentar este tipo de jornalismo inquisitorial-e pouco interessado no respeito pela inteligência do espectador.

Mas o importante da entrevista é que a posição firme do governo português de reconhecer o Presidente que se propõe levar a Venezuela a eleições clarificadoras nos mostrou que os Negócios Estrangeiros de Portugal possuem informação sobre a situação interna da Venezuela mais rica do que a está disponível para consumo público. É, sabemos, uma posição com riscos, tendo em conta a dimensão da comunidade luso-venezuelana e o que pode significar em termos de tragédia humanitária um eventual confronto entre os que querem a clarificação democrática e os que pretendem a continuidade no poder a todo o custo.

Não podemos ignorar que a deriva antidemocrática partiu de Maduro quando inventou uma Assembleia Constituinte e ignorou uma Assembleia Nacional que tinha sido eleita a partir de eleições que a comunidade internacional considerou legítimas. A invocação de uma legalidade revolucionária para justificar o atalho antidemocrático é simplesmente patética. O espírito da revolução bolivariana está há muito tempo enterrado, sobretudo a partir do momento em que a memória de Chávez era utilizada como uma espécie de redenção vinda do Além. Maduro é um líder corrupto que viverá politicamente enquanto as Forças Armadas o respaldarem, sabe-se lá a troco de que benesses no presente ou no paraíso futuro alimentado pelas reservas petrolíferas.

Pela informação que chega é difícil dimensionar corretamente o apoio popular que Maduro possa ter neste momento. As grandes manifestações populares do período chavista são uma miragem da história. E talvez seja por aí que os serviços de inteligência diplomática darão ao Governo português a informação de que o apoio de Maduro não lhe permitirá grandes veleidades de perseguição e força. Mas o engano pode acontecer e haver uma surpresa desagradável. A margem de manobra para a deposição de Maduro sem confronto interno e sem intervenção externa americana, com Trump sedento por mostrar serviço libertador, é de facto muito estreita e a qualquer momento pode haver um des- controlo que precipite os acontecimentos e o confronto que pode ser trágico. Outra fonte possível de informação mais aprofundada é a da posição das Forças Armadas, cujo posicionamento face às forças em confronto deve ser mais complexo do que o que transparece dos trânsfugas pontuais trazidos para a comunicação social como instrumento e fonte de propaganda.

A maldição dos recursos naturais, essa sim, está aí plenamente revelada, tal como noutros casos de predadores ditatoriais transformados em governos por vias mais ou menos, menos do que mais, democráticas. As maiores reservas de petróleo coabitam com a pobreza mais trágica, a destruição do Estado e a incerteza mais profunda, como o enunciam os testemunhos conhecidos sobre a comunidade luso-venezuelana.

O PCP e o Bloco de Esquerda, pelo menos algumas das suas personalidades, tais como o PODEMOS em Espanha, não apreciaram a clarificação política assumida pelos governos de Portugal e de Espanha. Por sua vez, a direita em ambos os países ainda sonhou que os governos de Costa e de Sánchez tremessem mais em tomar essa decisão. Convinha-lhes essa tibieza. A esquerda contestatária do apoio a Guaidó navega na mais pura hipocrisia, pois não avança uma linha que seja sobre a resolução da situação, mantendo Maduro e a sua deriva. Tudo isto não significa que a posição do apoio a Guaidó não tenha riscos. Eles existem obviamente, mas dependem do agravamento da situação que Maduro extremou. O que intuo é que iremos tirar fortes ensinamentos da crise venezuelana. O que espero é que seja pelos melhores motivos e pela passagem estreita da solução sem confronto interno e intervenção externa. O pedido de Maduro ao Papa de mediação, notícia que ainda não vi suficientemente confirmada, é uma esperança. E a neutralidade mantida por António Guterres na ONU, sem deixar de defender os valores democráticos, é um complemento dessa esperança. Os 1.000 e tal por cento de inflação já são suficientemente devastadores.

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