sábado, 9 de fevereiro de 2019

DESCENTRALIZAÇÃO CULTURAL



(Por terras de Portalegre, com o espírito de Régio a pairar, oportunidade para me aproximar da sociedade local, num concerto do grupo coral local, o CAEP VOICES, com uma incursão pelo quase Gospel, no Centro de Artes e Espetáculos. Por razões que não consigo explicar, numa cidade e numa região que me atraem a minha experiência de trabalho é quase nula.)

O ambiente de Portalegre tem sobre mim alguma atração e, estranhamente, não é uma Cidade que visite frequentemente por motivos profissionais. Nas imediações, Castelo de Vide e Marvão (o restaurante –hotel SEVER na Portagem é uma referência) são preciosidades cada vez melhor preservadas e muita gente, ainda com energia para dar a estes territórios, tem feito deles objeto de terceiras e quartas fases das suas vidas.

Mas em Portalegre propriamente dita, onde um Instituto Politécnico aguerrido faz pela vida e vai resistindo, embora com o seu corpo de Escolas separado entre si e distribuído por vários pontos da Cidade (conheci desta vez a Escola Superior de Tecnologia e Gestão já muito próxima da área natural da Serra de S. Mamede), há uma ambiência que exerce sobre mim alguma influência. Talvez seja aquela imagem patrimonial marcante de uma burguesia senhorial que ainda apresenta muitos traços na Cidade que simultaneamente me intriga e fascina. Uma certa ambiência de declínio com muita dignidade, cujos traços a Cidade tem conseguido, senão completamente, preservar. Gosto sobretudo da Praça que acolhe a Escola Superior de Educação e de Ciências Sociais do IP de Portalegre, um edifício onde gostaria de estudar, quase contígua às velhas instalações, hoje arqueologia industrial, da antiga fábrica têxtil de grande porte, muito próxima da Casa de José Régio e do Centro de Artes e Espetáculos (CAE). A praça é desnivelada com três níveis, o da ESECS do IPP e do CAE, o das esplanadas e restaurantes que no verão se enchem de estudantes e o da habitação residencial que ainda permanece na Praça. Não conheço outra Praça no país com esta estrutura. Mas gosto também do confronto entre o declínio com dignidade e alguns expoentes de arquitetura de modernidade, nos quais coloco bem destacada a Igreja de Carrilho da Graça num bairro já fora do perímetro do centro histórico e que é um projeto de rara beleza.

Por isso, foi com agrado que apanhámos os últimos bilhetes disponíveis para um concerto do grupo local coral CAEP VOICES que anima regularmente a região e o CAE, que comemorava o seu quinto aniversário, com bolo gigante e tudo, com um repertório de quase Gospel, que integra os clássicos mas também adaptações ao estilo de Gospel de outras baladas conhecidas do público em geral. Um concerto de sexta-feira à noite, depois de um jantar demasiado rápido para a categoria do D. Pedro V no centro histórico, é o ideal para se perceber a cidade cultural, sempre com aquela irritante ilusão do visitante acidental de que consegue num instante mesmo que simbólico da vidada Cidade apanhar as suas perceções mais profundas.

E, na manhã do dia seguinte, a visita ao museu municipal dos tapetes de Portalegre preencheu-me uma lacuna que tinha em relação à cidade. Imaginei o ambiente fervilhante de acolhimento dos artistas como Almada Negreiros, Júlio Pomar, Vieira da Silva, Jorge Pinheiro, Guilherme Camarinha e outros por aquela personalidade de outros tempos do Guy Fino. A tapeçaria integra o universo do declínio com dignidade, agora que a Manufatura de Portalegre só chama as preciosas funcionárias que tem quando há uma encomenda e elas rareiam, porque as empresas públicas já não são o que eram e o Centeno não permite veleidades.

De passagem para Évora, a gastronomia do Senhor Álvaro na Urra é de uma qualidade preço ímpar e dar cabo a qualquer dieta de hidratos de carbono ou colesterol.

Tenho de rever a poesia de José Régio. Na visita a Portalegre, alguma da sua poesia girava bem lá no fundo da memória, sem capacidade já para as reproduzir.

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