quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

SARDAS E A NÃO GLOBALIZAÇÃO CULTURAL



(As multinacionais ou empresas globais que se confrontam com diferentes modelos de consumo por esse mundo fora constituem espaços fulcrais para compreender se a globalização cultural se vai ou não impondo como forma mais assustadora do fenómeno globalização. A Zara Inditex parece ter provado em parte o veneno de uma aculturação precipitada.)

O rosto de Jing Wen, modelo chinesa com uma carteira já representativa de trabalhos para marcas globais como a Chanel e a Prada, está no centro de uma controvérsia em que a Zara se viu mergulhada e não num mercado qualquer, o da sempre criticada mas sempre desejada China.

Olho para o rosto da modelo, cujo seu verdadeiro nome é Li Jungwen, e vejo uma imagem de sofisticação asiática, uma sugestão de exotismo sem manipulação digital, puro e natural, que deve ter seduzido os especialistas em marketing e comunicação da Zara para a sua campanha na China em matéria de produtos de beleza, batons e coisas do género. Numa observação mais fina do rosto de Jing Wen, é possível perceber a existência de algumas sardas, deliberadamente não ocultadas por qualquer tipo de maquilhagem. O que, aparentemente e provavelmente muito influenciado pelos nossos padrões estéticos de avaliação da beleza feminina, combina bem com a sofisticação e exotismo que associamos à modelo. Tudo pareceria poder correr no melhor dos mundos.

O New York Times (link aqui), primeiro, e os principais jornais espanhóis depois (exemplo do El Español, link aqui), dão-nos conta que, tal como o referia na introdução, a Zara parece ter provado do veneno de uma aculturação precoce. A campanha suscitou nas redes sociais chinesas, sobretudo a partir do momento em que a Zara utilizou a rede social chinesa Weibo, uma profunda e violenta reação. Pelos vistos, as sardas não são toleradas como na cultura ocidental e muito menos são vistas como elementos de sedução e exotismo. Daí a correr a ideia de que a Zara terá atentado contra a cultura chinesa foi um passo e até a hipótese da campanha ter contribuído para a discriminação das sardentas na China foi aventada. Dirão alguns que o mundo de hoje está impossível de se compreender, perigoso por vezes e sobretudo exigindo uma paciência que por vezes nos esmorece. Já não há pachorra para aturar tanto prurido e até as sardas vêm agora engrossar o mapa dos avisos à navegação cultural, dirão outros.

Pela minha parte, sou mais cauteloso e não é por aderir ao politicamente correto das perceções culturais construídas de fora. Diria mesmo, o que parece contraditório, que encontro no caso em si algumas virtualidades. Estarei a ficar rebuscado?

Se é verdade que, nos tempos de hoje, associar a reação nas redes sociais pode não significar nada de muito robusto, a reação chinesa (e uma reação a partir de um mercado com esta dimensão põe imediatamente qualquer marketer em sentido e de prevenção) tranquiliza-me quanto aos obstáculos a uma globalização que produza aculturação em massa. Repito que as firmas multinacionais e as empresas globais são hábeis em compreender estas limitações a uma homogeneização total do mundo, adaptando-se rapidamente a diferentes culturas. Os chineses pelos vistos não se reconhecem na sedução e exotismo das sardas, até porque não abundam entre os graciosos rostos das jovens chinesas. Estão no seu direito. Não sei se isso representa uma trincheira contra a aculturação e se outros fenómenos menos intrusivos não estarão a produzi-la sem grandes alaridos de reação.

Moral da história, a Zara apressou-se a pedir publicamente desculpas à sociedade chinesa (link aqui no Business Insider). Mercado oblige e este obriga mesmo a ter cuidado.

Mas não deixa de estarmos perante um valente e gigante paradoxo. Acabam por ser as firmas multinacionais e as empresas globais a fazer a arbitragem das diferenciações culturais. O mercado é de facto uma instituição de peso.

Sem comentários:

Enviar um comentário