(As multinacionais ou empresas globais que se confrontam com diferentes modelos
de consumo por esse mundo fora constituem espaços fulcrais para compreender se a
globalização cultural se vai ou não impondo como forma mais assustadora do fenómeno
globalização. A Zara Inditex parece ter
provado em parte o veneno de uma aculturação precipitada.)
O rosto de Jing Wen, modelo chinesa com uma
carteira já representativa de trabalhos para marcas globais como a Chanel e a
Prada, está no centro de uma controvérsia em que a Zara se viu mergulhada e não
num mercado qualquer, o da sempre criticada mas sempre desejada China.
Olho para o rosto da modelo, cujo seu
verdadeiro nome é Li Jungwen, e vejo uma imagem de sofisticação asiática, uma
sugestão de exotismo sem manipulação digital, puro e natural, que deve ter
seduzido os especialistas em marketing e comunicação da Zara para a sua
campanha na China em matéria de produtos de beleza, batons e coisas do género. Numa
observação mais fina do rosto de Jing Wen, é possível perceber a existência de
algumas sardas, deliberadamente não ocultadas por qualquer tipo de maquilhagem.
O que, aparentemente e provavelmente muito influenciado pelos nossos padrões estéticos
de avaliação da beleza feminina, combina bem com a sofisticação e exotismo que
associamos à modelo. Tudo pareceria poder correr no melhor dos mundos.
O New
York Times (link aqui), primeiro, e os principais jornais espanhóis depois (exemplo do El Español, link aqui), dão-nos
conta que, tal como o referia na introdução, a Zara parece ter provado do
veneno de uma aculturação precoce. A campanha suscitou nas redes sociais
chinesas, sobretudo a partir do momento em que a Zara utilizou a rede social
chinesa Weibo, uma profunda e violenta reação. Pelos vistos, as sardas não são
toleradas como na cultura ocidental e muito menos são vistas como elementos de sedução
e exotismo. Daí a correr a ideia de que a Zara terá atentado contra a cultura
chinesa foi um passo e até a hipótese da campanha ter contribuído para a discriminação
das sardentas na China foi aventada. Dirão alguns que o mundo de hoje está
impossível de se compreender, perigoso por vezes e sobretudo exigindo uma paciência
que por vezes nos esmorece. Já não há pachorra para aturar tanto prurido e até
as sardas vêm agora engrossar o mapa dos avisos à navegação cultural, dirão
outros.
Pela minha parte, sou mais cauteloso e não é
por aderir ao politicamente correto das perceções culturais construídas de fora.
Diria mesmo, o que parece contraditório, que encontro no caso em si algumas virtualidades.
Estarei a ficar rebuscado?
Se é verdade que, nos tempos de hoje,
associar a reação nas redes sociais pode não significar nada de muito robusto, a
reação chinesa (e uma reação a partir de um mercado com esta dimensão põe
imediatamente qualquer marketer em
sentido e de prevenção) tranquiliza-me quanto aos obstáculos a uma globalização
que produza aculturação em massa. Repito que as firmas multinacionais e as empresas
globais são hábeis em compreender estas limitações a uma homogeneização total do
mundo, adaptando-se rapidamente a diferentes culturas. Os chineses pelos vistos
não se reconhecem na sedução e exotismo das sardas, até porque não abundam entre
os graciosos rostos das jovens chinesas. Estão no seu direito. Não sei se isso
representa uma trincheira contra a aculturação e se outros fenómenos menos intrusivos
não estarão a produzi-la sem grandes alaridos de reação.
Moral da história, a Zara apressou-se a pedir
publicamente desculpas à sociedade chinesa (link aqui no Business Insider). Mercado oblige e este obriga mesmo
a ter cuidado.
Mas não deixa de estarmos perante um valente
e gigante paradoxo. Acabam por ser as firmas multinacionais e as empresas globais
a fazer a arbitragem das diferenciações culturais. O mercado é de facto uma
instituição de peso.
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