domingo, 10 de fevereiro de 2019

DESCENTRALIZAÇÃO CULTURAL (II)



(Desta vez em Évora, com degustação de um almoço de domingo no ambiente familiar do Dom Joaquim, com visita guiada à exposição no Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida do chamado GRUPO 8. Oportunidade para mergulhar na recomposição do ambiente de uma iniciativa de forte fulgor dos anos 70, decentralizada isso inequivocamente, mas com ventos vindos da capital.)

Já tinha lido alguma coisa sobre o Grupo dos 8, sobretudo do ponto de vista da obra de um dos seus representantes, o António Palolo. Mas por aqueles acasos de visitantes acidentais, que tinham reservado mesa para o incontornável ambiente familiar dos domingos no Dom Joaquim em Évora, a entrada no belo edifício do Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida (link aqui) reservava-nos uma visita guiada à exposição do Grupo dos 8.

O Grupo dos 8, onde pontificavam os oito nomes inscritos na capa do folheto que acompanha a exposição, pode ser considerado um movimento de um conjunto de artistas, alguns dos quais com ligação ao Alentejo profundo e que pretendiam a partir desse contexto conduzir um processo de experimentação sem dogmas. Alguns dos elementos do grupo não tinham qualquer formação académica e exploravam nessa condição o uso de novos materiais e de formas de expressão artística (como as performances efémeras), características que os transformam num elemento de alguma raridade no meio artístico nacional da época, os primeiros após a revolução democrática de abril de 1974.

Mas o movimento do Grupo dos 8 não pode ser compreendido sem termos em conta o processo de grande transformação que o meio artístico de Lisboa vivia então, designadamente com o desaparecimento das principais galerias da capital. Esta referência é relevante, pois para além de alguns elementos do grupo (António Palolo, José Carvalho e José Conduto) terem vivido em conjunto esse período de grande transformação na vida artística da capital, a sua vinda para fixação no Alentejo é indissociável do contacto que sempre mantiveram com o ambiente de Lisboa.

O curioso da exposição é que ela é realizada com um curador que fez parte do movimento, Joaquim Tavares, e que no âmbito do seu doutoramento que realiza por estes tempos na Universidade de Évora, consegue recompor algumas das peças concebidas não só por si mas também por outros colegas do movimento. A matéria é muito sugestiva, pois como sabemos a questão do registo e preservação das obras efémeras, designadamente as realizadas no quadro de performances irrepetíveis, tem uma profundidade de controvérsia assinalável. A visita à exposição guiada pelo novo Diretor do CAC da Fundação Eugénio de Almeida, José Alberto Ferreira da Universidade de Évora, é muito sugestiva deste ponto de vista da recomposição das peças e do seu contexto, sempre auxiliado pela presença na visita do seu curador Joaquim Tavares.

Mas a mim, como é óbvio, o que mais me interessou é a do significado de um movimento artístico, relativamente efémero é certo, nascido com objetivos de afirmar a criação e a experimentação artísticas a partir do Alentejo, o ter sido num contexto de forte articulação com o que se passava no meio artístico de Lisboa e das suas transformações. É uma matéria que me interessa decisivamente, pois continuo a pensar que sobretudo Évora, mas também Montemor-o-Novo, são indissociáveis da sua proximidade e articulação com Lisboa, o que não significa venda da genuinidade. Conforme é referido na brochura que acompanha a exposição (ver link aqui), quando António Palolo e José Carvalho regressam ao Alentejo instalam-se num monte perto de Évora (o Monte da Oliveirinha) sem quaisquer condições de habitabilidade, embora posteriormente fosse a casa de Joaquim Carapinha o centro de reunião de todas as ideias entre o grupo. A evidência da relação com as transformações artísticas do Portugal pós Revolução esta na participação de alguns dos elementos do Grupo dos 8 na grande exposição Alternativa Zero – Tendências Polémicas na Arte Portuguesa Contemporânea, realizada com o apoio da então Secretaria de Estado da Cultura na Galeria Nacional de Arte Moderna de Belém, organizada por Ernesto de Sousa que participa na brochura de uma das três grandes exposições realizadas pelo Grupo. Participaram nessa grande exposição de Lisboa António Palolo, José Carvalho e José Conduto.

E assim se preparou a sensibilidade para a degustação de domingo no Dom Joaquim.

Ontem em Portalegre, hoje em Évora, a perceção de que pode existir vida cultural fora de Lisboa. Um visitante acidental com sorte nem sempre acontece. Desta vez aconteceu.

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