terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

UM TEATRO À VENDA



(Ainda há dias dei conta neste espaço dos ecos e impressões de um fim de semana em Portalegre, manifestando o meu fascínio pela atmosfera de declínio que se respira visualizando algum edificado da Cidade. O aparecimento à venda no OLX do velho Teatro de Portalegre completa esse registo de visitante acidental.)

O jornalista Carlos Dias publicou no Público (link aqui) um sugestivo artigo sobre mais uma surpresa do OLX em matéria de património em venda naquele popular sítio da WEB. Não, não se trata de nenhuma obra de arte ou documento de grande valor histórico, mas antes da colocação à venda naquele espaço do velho Teatro de Portalegre, junto do qual passei há poucos dias. Pelo artigo do jornalista e pela pesquisa que ele realizou percebe-se que o velho Teatro de Portalegre nunca deixou de ser património privado desde a sua construção nos tempos em que era de bom-tom político povoar o interior com teatros construídos à imagem e semelhança das grandes casas da capital.

Quando há mais de oito dias passei aleatoriamente pela Cidade e me confrontei com o estado de abandono do velho Teatro em confronto com a moderna sala do Centro de Artes e Espetáculos assumida pela Câmara Municipal, com a preservação e valorização da casa de José Régio e com o Museu da Tapeçaria, também municipal, compreendi intuitivamente que a compra e renovação do Teatro pela autarquia tinha sido descartada. O artigo do Público confirmaria a minha intuição. E tenho de reafirmar que achei a opção compreensível e lógica, sobretudo num contexto em que a CM de Portalegre não é propriamente uma mosca morta em matéria de animação cultural na cidade e no concelho. Tal como a Manufatura em que os tapetes de Portalegre ainda podem ser concebidos e produzidos (não sei se por muito tempo e claramente em função do potencial económico da família de Guy Fino sua proprietária), o Teatro de Portalegre pertence ao mundo e ao tempo das famílias com poder económico que investiam na cultura em função do seu ADN e posses materiais. Diz-me o artigo de Carlos Dias que o Teatro já foi espaço de localização da IURD (cruzes credo é melhor outra ocupação) e do Grupo Desportivo Portalegrense. É verdade que os espíritos de Régio (e do Alfageme de Santarém, a sua primeira peça estreada aqui) e Amélia Rey Colaço ainda pairarão pelo velho edifício e que seria interessante algum passo de mágica para modernizar a velha instalação. Mas há escolhas e o município de Portalegre está diante de tantas, incluindo as de assegurar sustentação e manutenção ao que já consegui colocar ao serviço de residentes e visitantes, que compreendo bem que o município não possa ser o autor desse passo de mágica.

O declínio e a impossibilidade de preservação fazem parte dos processos históricos de desenvolvimento local e urbano, tal como a finitude faz parte da nossa vida. Muito desse declínio tem sido contrariado e transformado em memória histórica para nossa compreensão do passado, essencialmente com recursos públicos. Mas as escolhas públicas são diversas e abundantes.

Quanto ao Teatro de Portalegre provavelmente vai engrossar o rol de património perdido pelo declínio do poder económico de algumas famílias outrora comprometidas com a cultura. Mas se esse for o caso, prefiro uma demolição que deixe memória, e essa ser pode ser tratada sem grande necessidade de recursos públicos em abundância, a utilizações contranatura, como por exemplo a de uma igreja evangélica qualquer ou de outra atividade que conspurque o espírito que paira sobre aquele edificado.

Sem comentários:

Enviar um comentário