(Com a devida vénia à VOZ de GALICIA)
(Coisas de momento: por um lado, as notícias de hoje anunciam-nos um possível
recrutamento de médicos de família portugueses pela vizinha Galiza com
remunerações oferecidas que vão para o dobro das nossas; por outro, o crescimento
da indústria automóvel em Portugal parece incomodar a imprensa galega. Embora a Xunta se anuncie como um governo responsável,
a Galiza parece estar muito sensível …)
Vamos primeiro à questão dos médicos de família portugueses e ao possível “take over” que o Sistema Regional de Saúde
galego pode exercer sobre a nossa ainda depauperada e insuficiente oferta de médicos
generalistas.
Por vezes, anda por aí uma irritante propensão para ignorar o óbvio. Senão
vejamos. Estamos inseridos numa União Europeia e num mercado único. Por razões
que se prendem com o desigual potencial produtivo das economias nacionais, com
a dimensão político-administrativa da determinação dos salários sobretudo no
setor público e por uma reduzida propensão das gerações que já foram jovens e
que já o não são para procurar vida noutras paragens e países, a integração
económica da Galiza, do Norte e das economias ibéricas tem-se aprofundado sem
uma convergência salarial correspondente. Há aqui aparentemente algo de
misterioso, que até justificou no passado alguns artigos no âmbito da economia
do trabalho e com gente de grande notoriedade e prestígio como Olivier Blanchard
para tentar explicar o paradoxo. A não convergência salarial acontece também com
um desigual comportamento de desemprego em épocas de crise, com os espanhóis a “tolerarem”
socialmente taxas de desemprego bem mais elevadas do que o registado em Portugal.
Neste contexto, alguém pode admirar-se que, à mínima expressão de procura não
satisfeita na região com salários mais elevados, possa assistir-se a um fluxo com
origem na região de salários mais baixos, sobretudo se as condições de funcionamento
do sistema de saúde de destino e de acolhimento das respetivas famílias forem
apelativas? Podem entretanto contrapor que a população médica revela em
Portugal uma muito débil propensão para a mobilidade no interior do país, respondendo
a incentivos de fixação determinadas pela abertura de concursos públicos específicos.
É certo que é assim e o caso do Algarve sempre foi para mim motivo de perplexidade.
Por que raio de razão os concursos públicos no Algarve para a fixação de médicos
não são nunca totalmente preenchidos? Uma região como o Algarve, apelativa e
hospitaleira, enfrentará algum bloqueio? De que natureza? Algumas conversas que
tenho tido com especialistas do setor dizem-me que o fator principal está nas
avaliações que os candidatos fazem das margens de progressão curricular e
profissional que a possível deslocalização lhes tenderá a proporcionar. E
segundo esse critério as massas críticas de Porto, Coimbra e Lisboa serão
sempre mais favoráveis que as que podem ser encontradas em regiões com baixa
massa crítica de atividades hospitalares, cirurgias por exemplo ou outras
quaisquer. Em confronto com o possível take-over
galego, acrescentaria um outro elemento. Os incentivos remuneratórios
proporcionados não serão suficientemente dissuasores dos constrangimentos atrás
mencionados.
Por isso, a única novidade nesta matéria é a emergência de uma nova evidência,
a insuficiente oferta galega de médicos generalistas para satisfazer
necessidades de médicos de família para o sistema regional de saúde. No
contexto atual, acaso esse take over
se confirme só uma forte negociação diplomática conseguirá amenizar as consequências
negativas para Portugal que provavelmente se farão essencialmente sentir a Norte.
O que teria algo de trágico, pois como sabemos o SNS de Portugal não conseguiu
ainda resolver a cobertura da população por médicos de família. Esta matéria toca
também a formação médica e pergunto-me se as Faculdades de Medicina e as Escolas
Superiores de Saúde estarão a receber os incentivos adequados para reforçarem o
seu próprio contributo para minimizar o problema. Só me espanta a novidade do
alarido. É como vivêssemos sobre brasas alimentando a ideia de que o fazemos numa
superfície de grande frescura. Incorrigíveis.
Vamos agora ao segundo ponto. Em 2015, o grupo PSA-Peugeot Citroen (de que
vive praticamente o porto de Vigo, por exemplo), no âmbito da sua estratégia de
produção (não estamos nós num mercado único?), decidiu agrupar os seus polos de
produção de Vigo, Madrid e Mangualde num complexo que foi designado de Polo Industrial
da Península Ibérica. Por cá, atrevo-me a dizer que tal operação foi
considerada mais uma oportunidade do que uma ameaça. Não sei bem se isto aconteceu
porque somos mais europeístas e temos melhor noção do que é o mercado único e
uma união económica e monetária ou porque somos ingénuos nesta coisa de que cooperation is business. Quero pensar
que é a primeira razão que devemos invocar. Mas tenho que vos dizer que por vezes
vacilo.
Ora, na Galiza, isto da PSA ter integrado Mangualde no polo industrial ibérico
causou alguma comichão em peles protecionistas mais sensíveis na região vizinha,
até porque a história recente dá conta de alguns investimentos estrangeiros na área
automóvel terem preferido a localização no Norte de Portugal. Em paralelo, o
dinamismo revelado pela economia portuguesa e do Norte de Portugal em matéria
de indústria automóvel (algo que está para lá apenas do fenómeno AutoEuropa e
inclui também a relação com a PSA) tem agravado essa comichão. Como sempre a
VOZ de GALICIA é um bom barómetro desse mal-estar ou incomodidade e disso é
exemplo o artigo de hoje (link aqui), intitulado “PSA Vigo y su
gran red de proveedores lusos catapultan al sector del automóvil en Portugal”.
Para além de representar um ego regional incontido, ou seja seria a PSA de Vigo
que estaria a impulsionar o setor automóvel em Portugal (mas que prosápia!), o
artigo é bem representativo da tal incomodidade. Vale a pena, por isso, citar a
sua parte final:
“Crescer à custa
da Galiza
O setor galego, aglutinado no Cluster
de Empresas de Automação da Galiza, ainda não publicou o seu balanço de 2018. Mas
o crescimento coincide com a localização de novas indústrias fornecedoras de
componentes, muitas delas com contratos para a PSA Vigo e Mangualde. Das novas
implantações, pelo menos dez multinacionais que admitiram como primeira opção
instalar-se na Comunidade acabaram por localizar-se em Portugal. Entre as mais
recentes está o fornecedor francês de peças de motor Bontaz Center. Na lista de
investimentos perdidos estão também os franceses da Mora (com 5 milhões de euros
em Arcos de Valdevez) e a Steep Plastique (50 milhões e 250 empregos) em Viana.
Também em Viana, a Eurostyle Systems investiu 18 milhões e criou 100 empregos. Valença
constitui a localização preferida pelos novos investidores, pela sua
proximidade a Vigo. Para ali irá a japonesa Howa com 10 milhões de euros e 170
empregos, apenas para mencionar os mais imediatos.”
Podemos dizer, assim, que a integração económica ibérica na UEM acontece não
apenas com uma maior tolerância social ao desemprego em Espanha do que em Portugal,
mas também agora com esta evidência de que há regiões mais sensíveis ao mercado
único e às suas lógicas. A Galiza parece ser bem mais sensível do que o Norte. Não
quero ser desmancha prazeres, mas interrogo-me se isto é para nós positivo.
Caros amigos galegos, que os tenho e bons, desculpem lá esta bicada.
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