quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

A GALIZA É MUITO SENSÍVEL …

(Com a devida vénia à VOZ de GALICIA)


(Coisas de momento: por um lado, as notícias de hoje anunciam-nos um possível recrutamento de médicos de família portugueses pela vizinha Galiza com remunerações oferecidas que vão para o dobro das nossas; por outro, o crescimento da indústria automóvel em Portugal parece incomodar a imprensa galega. Embora a Xunta se anuncie como um governo responsável, a Galiza parece estar muito sensível …)

Vamos primeiro à questão dos médicos de família portugueses e ao possível “take over” que o Sistema Regional de Saúde galego pode exercer sobre a nossa ainda depauperada e insuficiente oferta de médicos generalistas.

Por vezes, anda por aí uma irritante propensão para ignorar o óbvio. Senão vejamos. Estamos inseridos numa União Europeia e num mercado único. Por razões que se prendem com o desigual potencial produtivo das economias nacionais, com a dimensão político-administrativa da determinação dos salários sobretudo no setor público e por uma reduzida propensão das gerações que já foram jovens e que já o não são para procurar vida noutras paragens e países, a integração económica da Galiza, do Norte e das economias ibéricas tem-se aprofundado sem uma convergência salarial correspondente. Há aqui aparentemente algo de misterioso, que até justificou no passado alguns artigos no âmbito da economia do trabalho e com gente de grande notoriedade e prestígio como Olivier Blanchard para tentar explicar o paradoxo. A não convergência salarial acontece também com um desigual comportamento de desemprego em épocas de crise, com os espanhóis a “tolerarem” socialmente taxas de desemprego bem mais elevadas do que o registado em Portugal.

Neste contexto, alguém pode admirar-se que, à mínima expressão de procura não satisfeita na região com salários mais elevados, possa assistir-se a um fluxo com origem na região de salários mais baixos, sobretudo se as condições de funcionamento do sistema de saúde de destino e de acolhimento das respetivas famílias forem apelativas? Podem entretanto contrapor que a população médica revela em Portugal uma muito débil propensão para a mobilidade no interior do país, respondendo a incentivos de fixação determinadas pela abertura de concursos públicos específicos. É certo que é assim e o caso do Algarve sempre foi para mim motivo de perplexidade. Por que raio de razão os concursos públicos no Algarve para a fixação de médicos não são nunca totalmente preenchidos? Uma região como o Algarve, apelativa e hospitaleira, enfrentará algum bloqueio? De que natureza? Algumas conversas que tenho tido com especialistas do setor dizem-me que o fator principal está nas avaliações que os candidatos fazem das margens de progressão curricular e profissional que a possível deslocalização lhes tenderá a proporcionar. E segundo esse critério as massas críticas de Porto, Coimbra e Lisboa serão sempre mais favoráveis que as que podem ser encontradas em regiões com baixa massa crítica de atividades hospitalares, cirurgias por exemplo ou outras quaisquer. Em confronto com o possível take-over galego, acrescentaria um outro elemento. Os incentivos remuneratórios proporcionados não serão suficientemente dissuasores dos constrangimentos atrás mencionados.

Por isso, a única novidade nesta matéria é a emergência de uma nova evidência, a insuficiente oferta galega de médicos generalistas para satisfazer necessidades de médicos de família para o sistema regional de saúde. No contexto atual, acaso esse take over se confirme só uma forte negociação diplomática conseguirá amenizar as consequências negativas para Portugal que provavelmente se farão essencialmente sentir a Norte. O que teria algo de trágico, pois como sabemos o SNS de Portugal não conseguiu ainda resolver a cobertura da população por médicos de família. Esta matéria toca também a formação médica e pergunto-me se as Faculdades de Medicina e as Escolas Superiores de Saúde estarão a receber os incentivos adequados para reforçarem o seu próprio contributo para minimizar o problema. Só me espanta a novidade do alarido. É como vivêssemos sobre brasas alimentando a ideia de que o fazemos numa superfície de grande frescura. Incorrigíveis.

Vamos agora ao segundo ponto. Em 2015, o grupo PSA-Peugeot Citroen (de que vive praticamente o porto de Vigo, por exemplo), no âmbito da sua estratégia de produção (não estamos nós num mercado único?), decidiu agrupar os seus polos de produção de Vigo, Madrid e Mangualde num complexo que foi designado de Polo Industrial da Península Ibérica. Por cá, atrevo-me a dizer que tal operação foi considerada mais uma oportunidade do que uma ameaça. Não sei bem se isto aconteceu porque somos mais europeístas e temos melhor noção do que é o mercado único e uma união económica e monetária ou porque somos ingénuos nesta coisa de que cooperation is business. Quero pensar que é a primeira razão que devemos invocar. Mas tenho que vos dizer que por vezes vacilo.

Ora, na Galiza, isto da PSA ter integrado Mangualde no polo industrial ibérico causou alguma comichão em peles protecionistas mais sensíveis na região vizinha, até porque a história recente dá conta de alguns investimentos estrangeiros na área automóvel terem preferido a localização no Norte de Portugal. Em paralelo, o dinamismo revelado pela economia portuguesa e do Norte de Portugal em matéria de indústria automóvel (algo que está para lá apenas do fenómeno AutoEuropa e inclui também a relação com a PSA) tem agravado essa comichão. Como sempre a VOZ de GALICIA é um bom barómetro desse mal-estar ou incomodidade e disso é exemplo o artigo de hoje (link aqui), intitulado “PSA Vigo y su gran red de proveedores lusos catapultan al sector del automóvil en Portugal”. Para além de representar um ego regional incontido, ou seja seria a PSA de Vigo que estaria a impulsionar o setor automóvel em Portugal (mas que prosápia!), o artigo é bem representativo da tal incomodidade. Vale a pena, por isso, citar a sua parte final:

Crescer à custa da Galiza

O setor galego, aglutinado no Cluster de Empresas de Automação da Galiza, ainda não publicou o seu balanço de 2018. Mas o crescimento coincide com a localização de novas indústrias fornecedoras de componentes, muitas delas com contratos para a PSA Vigo e Mangualde. Das novas implantações, pelo menos dez multinacionais que admitiram como primeira opção instalar-se na Comunidade acabaram por localizar-se em Portugal. Entre as mais recentes está o fornecedor francês de peças de motor Bontaz Center. Na lista de investimentos perdidos estão também os franceses da Mora (com 5 milhões de euros em Arcos de Valdevez) e a Steep Plastique (50 milhões e 250 empregos) em Viana. Também em Viana, a Eurostyle Systems investiu 18 milhões e criou 100 empregos. Valença constitui a localização preferida pelos novos investidores, pela sua proximidade a Vigo. Para ali irá a japonesa Howa com 10 milhões de euros e 170 empregos, apenas para mencionar os mais imediatos.”

Podemos dizer, assim, que a integração económica ibérica na UEM acontece não apenas com uma maior tolerância social ao desemprego em Espanha do que em Portugal, mas também agora com esta evidência de que há regiões mais sensíveis ao mercado único e às suas lógicas. A Galiza parece ser bem mais sensível do que o Norte. Não quero ser desmancha prazeres, mas interrogo-me se isto é para nós positivo.

Caros amigos galegos, que os tenho e bons, desculpem lá esta bicada.

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