quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

SOBRE OS ECONOMISTAS E O ENSINO DA ECONOMIA




(Os materiais que inspiram este post têm uma distância no tempo de 95 anos, o que é obra. Encontro neles um fio comum. Trata-se de não alimentar uma perspetiva passiva sobre o que é solicitado aos economistas no seu tempo e de refletir continuamente sobre as ferramentas de pensamento que estes devem utilizar para responder aos desafios do seu tempo.)

Em 1924, mais propriamente no mês de setembro, Keynes assinou no The Economic Journal um dos epitáfios mais profundos que talvez alguma vez tenha sido escrito sobre um economista, Alfred Marshall. Graças ao trabalho valioso da Royal Economic Society e ao seu trabalho de colaboração com a editora Wiley, o JSTOR proporciona-nos hoje edições digitais de todo o vasto espólio dessa revista britânica e a ele recorri para regressar ao vigor daquele texto de Keynes. 95 anos passaram sobre essa publicação e já se me varreu da memória o momento lá atrás quando o revisitei para na altura compreender o fascínio que os economistas do território alimentavam sobre a obra de Marshall.

Para os desígnios do post de hoje terei de citar, com a desculpa da insuficiência da minha tradução para português, já que a prosa de Keynes exigiria outros voos:

“(…) O estudo da economia parece não exigir quaisquer dons especializados e transcendentes. Não é a economia, do ponto de vista intelectual, um assunto muito fácil quando comparado com os ramos superiores da filosofia e da ciência pura? Mesmo que sejam bons, ou mesmo competentes, são pássaros dos mais raros. Um assunto acessível, mas no qual poucos atingem a excelência. O paradoxo explica-se, talvez, porque o economista-chefe tem de possuir uma combinação rara de dons. Ele tem de atingir um padrão elevado em várias direções diferentes e tem de combinar talentos que não é fácil encontrar conjuntamente. Ele tem de ser, em alguma medida, matemático, historiador, homem de estado, filósofo. Tem de compreender símbolos e expressar-se por palavras. Tem de considerar o particular em termos do geral e tocar o abstrato e o concreto no mesmo golpe de pensamento. Deve estudar o presente à luz do passado para compreender o futuro. Nenhuma parte da natureza humana ou das suas instituições podem permanecer totalmente fora do seu olhar. Tem de se afirmar simultaneamente por propósitos e ser desinteressado; distante e incorruptível como um artista, tem por vezes de estar perto do mundo como um político. Marshall possuía muitas mas não todas estas características. Mas no essencial a sua aprendizagem diversificada e a sua natureza dividida dotaram-no do dom necessário aos economistas mais essencial e fundamental – era um proeminente historiador e matemático, um dealer simultaneamente do particular e do geral, do temporal e do eterno” (The Economic Journal, 1924, setembro, pp.322-3239.

Bastaria esta longa citação para nos entreter durante uma longa noite. Se há 95 anos Keynes chamava a atenção para a raridade da combinatória de talentos que, na sua perspetiva, os economistas necessitavam de possuir, hoje essa combinatória talvez seja ainda mais rara e explique a razão pela qual esta parte da elite é tão esquecida e menosprezada.

Mas há quem se recuse a dar essa irrelevância e esse menosprezo por adquiridos. Já aqui referi a importância de alguns movimentos de estudantes de economia em algumas universidades prestigiadas do Reino Unido e dos EUA na criação de um clima de exigência a partir de quem é ensinado como combate à inércia do mainstream económico que se reproduz pelos mecanismos conhecidos de controlo da produção e da disseminação do conhecimento.

Hoje, gostaria de trazer ao espaço deste blogue dois movimentos, organizados em redes a que poderemos aderir.

O primeiro é o update de fevereiro de 2019 do projeto CORE (link aqui). Este projeto para além de um manual publicado pela Oxford University Press, The Economy, Economics fora Changing world, tem à disposição de quem quer ensinar economia para os nossos tempos, sem se sujeitar às balelas do mainstream mais rasca, um vasto manancial de recursos letivos, pedagógicos e de envolvimento dos estudantes. O que eu daria por um breve regresso ao passado e poder ensinar com todos este vasto manancial.

O segundo movimento aparece ligado a um dos mais estimulantes economistas do nosso tempo, Dani Rodrik. Trata-se de uma rede de economistas comprometidos com uma economia e uma sociedade inclusiva (link aqui). Esta rede proporciona-nos para já um e-book (link aqui) sobre o tema fundador e um conjunto de policy briefs, assinados pelos economistas que estão na raiz da rede.

Poderemos dizer que a excelência e a combinação de competências e talentos de que Keynes falava não estarão ao alcance dos vulgares mortais que querem ter um exercício honesto e rigoroso da sua profissão e da sua atividade de investigação. É natural que a excelência defina padrões exigentes. Keynes era a excelência no seu tempo e por isso o seu texto tem de ser lido nesse contexto. O que é impressionante é que essa exigência se mantenha atual 95 anos depois. Mas não faltam hoje instrumentos e redes que podem auxiliar quem não se resigna a reproduzir a inércia, preferindo olhar para os desafios do seu tempo.

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