(O estudo do retorno do capital, grosso modo dos lucros e
juros, ocupa um lugar central no estudo do capitalismo, dos clássicos,
incluindo Marx, até aos nossos dias. Porém, esta é uma daquelas matérias em economia em que
passar da análise dos conceitos às categorias empíricas para captar evidência
implica anos a fio de trabalho de organização de bases estatísticas credíveis
com o tempo longo a proporcionar-lhes a robustez e duração necessárias.)
Esta é efetivamente uma matéria em que a divisão do trabalho na produção de
conhecimento é mais notória. Os modelos económicos podem ser um hino à
criatividade, por vezes excessiva, com um efeito de destaque da realidade que
atraiçoa os bem-intencionados. Porém, quando se pretende ensaiar a validação
empírica, ou os próprios têm de penar a construir as bases estatísticas que têm
de trabalhar e tornar acessíveis para os pares validarem, ou têm de recorrer ao
trabalho insano dos reconstrutores de séries longas.
Quando se fala de retorno do capital temos em mira uma grande variedade de
ativos. E para isso há sempre que considerar os rendimentos que obtemos
pela posse desses ativos (os célebres yields
da economia financeira) e os ganhos com as variações de preço desses mesmos
ativos, sobretudo a prosaica diferença entre o preço a que compramos e o preço a que o podemos vender. Ora, o que sabemos é que nem sempre é fácil
reconstruir séries de todas as variedades de ativos. A natureza pode
ser bem diversa e, além disso, há que considerar a variável risco que em si
própria determina por si só diferentes tipos de ativos. Por exemplo, só muito
recentemente existe informação credível e para períodos longos relativa aos
investimentos em construção residencial.
Mas as dificuldades não ficam por aqui. A construção das bases empíricas
pode ser assegurada segundo diferentes metodologias o que nos conduz a uma
panóplia de materiais possíveis. É já tradicional a diferença entre métodos de
reconstrução de séries trabalhando registos de mercado dos retornos pretendidos
e métodos dedutivos em que os retornos são estimados a partir de estimativas da
riqueza que constitui o resultado da acumulação material de todos esses ganhos.
Por todos estes motivos, é sempre com júbilo que se saúda a publicação de
séries reconstruidas. Foi assim com os trabalhos de Thomas Piketty, Zucman e
outros, essencialmente elaborados a partir de estimativas da riqueza. E é assim
com os trabalhos do grupo liderado pelo economista Alan M. Taylor.
É sobre alguns resultados deste amplo e valioso trabalho que queria focar o
post de hoje. A tipologia de ativos e
de retornos trabalhada pela equipa de Taylor é muito vasta, já que cobre ativos
com maior risco e ativos mas seguros. Nos primeiros, são publicados resultados
sobre ativos residenciais e ações e nos segundos, variedades de títulos da
dívida pública e obrigações. O trabalho insano da equipa de Taylor envolve
yields e preços e tem a especial relevância de incluir os investimentos em
ativos residenciais (habitação).
A comparação entre os retornos de ações e de investimentos residenciais é
particularmente apelativa, até porque Portugal aparece representado (pour cause) no universo de 16 países que
foram considerados, apesar da relativa exiguidade da dimensão do seu mercado. E
o curioso (algo que a experiência portuguesa permitia intuir) é que os retornos
dos investimentos em habitação e em ações sã muito similares. A superioridade
revelada por estas últimas em alguns períodos só é conseguida à custa de uma
maior volatilidade e de uma maior conformidade com o padrão cíclico das
economias. Taylor refere que este resultado é uma surpresa, atendendo a que o
mercado imobiliário é de diversificação (em termos de carteiras) bem mais difícil
e tem custos de transação bem mais elevados. Em segundo lugar, apesar de toda a
onda dos fundos de investimento imobiliário que lá acabaram por chegar a
Portugal, os retornos dos ativos imobiliários não mostram qualquer correlação
significativa entre países, alinhando por isso com o padrão dos não
transacionáveis.
A segunda conclusão da investigação empírica do grupo de Taylor é ainda
mais perturbadora do que a anterior. Recordando que se trata de períodos longos
bem longos, de facto, cerca de 150 anos, os números confirmam que os chamados
ativos seguros (ou seja quase sem risco) são tanto ou mais voláteis do que os
investimentos aos quais se associa um risco. A investigação de Taylor sugere,
por outra via, a já aqui referida, por repetidas vezes, descida da taxa de juro
real de equilíbrio medida aproximadamente pela evolução da taxa de retorno dos
ativos seguros. É verdade que a descida observada no período mais recente
acontece a partir de um valor bem acima do que tem sido a relativamente baixa
remuneração observada nos períodos mais calmos.
Trouxe a este espaço de reflexão os resultados do grupo de Alan M. Taylor
pela simples razão de que me parece que eles são relevantes para entender a
evolução da economia portuguesa. Por um lado, os portugueses têm-se revelado
bons investidores no investimento residencial, o que parece ser corroborado
pelos resultados de período longo atrás mencionados. Embora me pareça que o
interesse dos portugueses pelos ativos residenciais seja inspirado mais por uma
lógica de ativo seguro do que propriamente como ativo com risco como Taylor o
considera. Depois, dada a reduzida correlação observada com o retorno de ativos
residenciais de outros países, forma-se aqui a possibilidade de prémios de
risco consideráveis, diria de rendas que o mercado imobiliário português tem
possibilitado.
Mas o grande alcance do trabalho de Taylor e demais é a oferta que ele
realiza de algo credível para ser trabalhado e capitalizado o seu valor de
validação empírica para um período bem longo.
Um resumo ao alcance de todos, mesmo os que não rotinados neste tipo de
literatura económica, pode ser obtido numa página Digest do NBER no âmbito do
qual o trabalho foi realizado (link aqui).
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