(Finalmente um fim de semana mais distendido em termos de trabalho, embora este pareça nunca acabar, com chuvinha irritante para os nortenhos, apenas o derby lisboeta a atrapalhar, por isso tempo para mitigar o que está para trás em termos de leituras desejadas e por muito tempo adiadas. Nessa pilha expectante estão os dois últimos escritos de Malcolm Gladwell, Talkng to Strangers, 2019 e The Bomber Mafia – a story set in war, 2021. Como sempre desconcertantes.)
Malcolm Gladwell é para mim uma das personalidades mais desconcertantes e estimulantes da cena intelectual americana, tamanha é a diversidade dos materiais com que nos surpreende. Jornalista há já longo tempo associado à New Yorker, conhecido por aquela cabeleira encarapinhada, que me faz lembrar por vezes o meu amigo Arquiteto Manuel Fernandes Sá, Gladwell está muito longe de poder ser considerado um exemplo típico da elite jornalística sofisticada que povoa a já mítica revista nova-iorquina. Num registo de pesquisa profundamente pluridisciplinar que envolve a psicologia, a sociologia, a economia e a observação perspicaz, algumas das obras do jornalista americano deixaram-me profundas marcas, tão impressivos foram os registos que deixaram. É curioso que os dois domínios disciplinares da minha vida académica e profissional em que as obras de Gladwell mais fertilizaram impressões cruzadas com outros registos foram a economia da inovação e da difusão (tendemos muitas vezes a privilegiar a primeira e a não entender que a primeira sem a segunda não é nada) e a cultura urbana.
Para Gladwell não há barreiras disciplinares à curiosidade da investigação. The Tipping Point, Blink e Outliers constituíram as minhas primeiras incursões pelo mundo de Gladwell. Em The Tipping Point aprendi, entre outras coisas, que nunca seria na vida um “connector” (já o tinha percebido pelo silêncio dos meus telefones, mas entendi porquê) e a compreender como se difundem na sociedade comportamentos, inovações, modas e fenómenos “trendy”. Recordo-me saudosamente que em Blink mergulhei sobretudo na explicação de capacidade de alguns (muito poucos) compreenderem uma situação, um problema, uma encruzilhada num ápice, num relance, abrindo para um universo fascinante de confronto entre pensamento analítico e sintético, que sempre identifiquei como a matéria mais relevante no planeamento estratégico e no desenho de estratégias, mas também relevante para compreender o fulgor intuitivo dos empresários na identificação das oportunidades. Em Outliers, estava essencialmente em causa a explicação das razões que levam alguns a destacarem-se, naquela relação enigmática entre personalidade e contexto, em torno da qual Gladwell reúne um conjunto sem fim de histórias que nos prendem na circunstância de um pormenor sem contudo perder de vista a questão central que emerge desses exemplos. Já não me refiro a What the Dog Saw e David and Goliath que me interessaram menos.
Poderia perguntar-se como é que Gladwell seria capaz de renovar a diversidade do seu universo. E fê-lo mais recentemente com mais dois exemplos surpreendentes. Talking to Strangers mergulha-nos no mundo insondável da interação social, analisando estratégias concretas diferentes para integrar pessoas que nos são estranhas e sobre as quais não sabemos rigorosamente nada (“o que devemos saber sobre pessoas que não conhecemos”. Num primeiro relance seríamos tentados a associar estes enfoques a livros de psicologia barata que se compram nos aeroportos para entreter, mas quando os começamos a ler topamos com um método surpreendente de investigação empírica, algo que é impossível de atingir num processo normal e tradicional de investigação.
Não parando de nos surpreender, Gladwell em The Bomber Mafia lança-nos no mundo intrigante do material de guerra (bombas) para explicar o advento da dimensão dos bombardeamentos aéreos no desenvolvimento dos conflitos bélicos. No seio da narrativa complexa que descreve os sonhos e projetos que conduziram às principais inovações nesta matéria, deparámos de novo, tal como em obras anteriores, com elementos cruciais para compreender o progresso tecnológico.
Quando leio Gladwell e medito na diversidade dos seus exemplos e histórias, a palavra que mais se destaca na minha própria síntese é a de “trespassing”. Para lá das barreiras disciplinares que o jornalista nova-iorquino ultrapassa e desmonta sistematicamente, está essa capacidade única de integração da complexidade.
Para quem preferir a via dos Podcasts, The Revisionist History é uma outra manifestação da criatividade de Gladwell (link aqui).
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