quarta-feira, 19 de maio de 2021

IMPREVIDÊNCIA

 

                                                (Rui Manuel Farinha para a Lusa)

(A ida a julgamento de Rui Moreira por pretenso crime de prevaricação vai marcar, para o bem e para o mal, as autárquicas em Portugal, independentemente de saber que posição vai tomar o atual Presidente da Câmara Municipal do Porto em matéria de apresentação a uma eventual recandidatura. A perceção que alimento em relação a todo este processo é desagradável, sobretudo porque é a Cidade que fica a perder e porque como dizia o outro ‘não havia necessidade’.)

Tenho a melhor impressão possível de Rui Moreira, o homem e a personalidade. Acho que ele representa bem aquela burguesia comercial e independente que esteve quase sempre ligada à história do Porto, sem contudo perder a capacidade de diálogo com outras forças políticas à sua esquerda, o que também faz parte de uma tradição de convivência democrática da Cidade. Todos esses caminhos de diálogo precisam de ser reinventados face ao que a Geringonça significou de rotura com o passado.

Se me perguntarem se a minha apreciação dos seus Executivos Municipais é similar à da personalidade e do Homem terei que dizer frontalmente que não é a mesma. Há frentes em que a dinâmica da Cidade foi incrementada, por exemplo a cultural, apesar de algumas espinhas de conflito que surgiram com a cultura politicamente mais militante. Um domínio em que penso que a Câmara ficou aquém do que eu esperaria foi na interação e cooperação institucional com outras entidades, com relevo para a muito tímida e inconsequente política de dinamização conjunta com a Universidade do Porto. Esperava também mais da alavanca que o Master Plan para a zona oriental da Cidade poderia representar (conflito de interesses registado, a Quaternaire foi a autora do Master Plan), designadamente na ainda expectante valorização da zona oriental da Asprela, contígua com o polo universitário e de inovação da Asprela. Ainda não perdi a esperança de ver ali nascer um verdadeiro e efetivo Porto Innovation District, criando as condições para que o potencial científico e tecnológico e de transferência de conhecimento para as empresas ali instalado possa de uma vez por todas concentrar a atração de capital estrangeiro interessado na proximidade com o conhecimento.

Fico por vezes com a incómoda sensação de que é apenas a valorização imobiliária da Cidade e da atração dos seus investidores especializados que interessa, perdendo de vista a relevância do que representa estar no coração de um sistema regional de inovação em termos de desenvolvimento da competitividade da Cidade. Algo de similar parece estar a acontecer com as intermitências com que o projeto de reconversão funcional do matadouro na mesma zona oriental tem sido gerido, embora a pandemia (na qual Rui Moreira e a Câmara Municipal ganharam pontos) possa explicar e justificar alguma anemia de decisão.

Qualquer que seja o significado do desvio entre a avaliação da personalidade e do Homem e do seu Executivo Municipal, cuja existência nunca seria de molde a justificar uma outra alternativa para a Cidade no próximo mandato, o caso Selminho é de facto uma pedra no sapato de todos quanto gostariam como eu de ver Rui Moreira reeleito apesar das considerações anteriormente produzidas. A primeira palavra que me vem à cabeça é imprevidência, pessoal e política.

A zona da Cidade que esteve em foco no processo de base é, pelas suas características e localização, um convite à prudência em tudo que diga respeito a planeamento e regulamentação urbanística e processos de negociação associados. Ainda por cima, todo o caso é um monumento de pormenores jurídicos que podem fazer toda a diferença. São sobretudo as condições e os tempos em que é concedida a procuração aos advogados do município e também à passagem do processo para a Vice-Presidente, cujos contornos ficam reservados para os especialistas e para a análise meticulosa dos magistrados.

É claro que a escolha dos timings para a aceleração do processo por parte do Ministério Público é ela própria um enigma passível das mais bondosas ou indecorosas interpretações. Custa-me também admitir que um Homem de Honra e Palavra como Rui Moreira pudesse insistir na sua inocência acaso houvesse alguma irregularidade manifesta. Mas a imprevidência é sempre má conselheira nestas matérias. Obviamente que os danos estão criados, ultrapassando o simples lançamento dos dados. A melhor ilustração desta minha convicção é a transição para a alarvidade em que Rui Rio está mergulhado, num tirocínio prático para as negociações com Ventura, apressando-se a afirmar que o candidato do PSD não se aproveitará da Câmara, antes a servirá. Vai valer tudo.

A pedra no sapato que o PSD tem em relação à Câmara do Porto transformou-se já num calhau de tal dimensão que precipita a inferioridade física de quem o calçar. Foi a incompetência congénita do PSD que abriu caminho ao movimento de Rui Moreira, aliás bem ilustrado no apoio do Engenheiro Valente de Oliveira à candidatura do atual presidente.

Rui Moreira reafirma a ideia de que não é a ida a julgamento que vai influenciar a sua decisão de se recandidatar ou não. Em meu entender, os danos já não podem ser ignorados. E a melhor expressão da magnitude desses danos foi por mim percebida quando revi as imagens das declarações de Rui Moreira comentando o caso. A voz trémula do Presidente decorrente daquele momento em que se cruzavam a confirmação da ida a julgamento com a dimensão afetiva da relação com o Pai confirmou-me que o principal dano está feito e que mesmo a existir a recandidatura não mais será a mesma. E se as eleições poderiam ser um momento de elevação na Cidade e da Cidade esqueçam-no. Preparem-se para o pior. Oxalá seja José Luís Carneiro o candidato do PS, pelo menos desse lado haverá contenção e dignidade.

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