(São questões de trabalho, demasiado pesadas para um septuagenário, e não seguramente a minha aversão a lagartos que explicam esta fraca intensidade de escrita nos últimos dias. Mas seguindo as pisadas do meu colega do lado também eu tenho de ignorar aquela falta de empatia e registar aqui a proeza leonina que, vá lá compreender-se a ironia destas coisas, foi assegurada por um timoneiro benfiquista, mas não só.)
Sou especialista em encontrar lenitivos para a perda e também aqui tenho argumentos para moderar, direi mesmo superar plenamente, o meu azedume gerado menos pela vitória leonina e mais pela inépcia reiterada ao longo da época do SLB e ainda melhor ilustrada pela mais que paupérrima primeira parte de ontem na Choupana (Funchal). Tão pobre e indesculpável primeira parte que me fez estar ao lado de um desamparado Professor Manuel Machado no seu assomo de dignidade de resistir a uma mais que anunciada descida de divisão.
Mas o principal argumento que me leva a sublimar a perda nesta época atípica resulta de uma ideia muito simples. Quando um populista inqualificável (Bruno de Carvalho) e as bases que o suportam (lumpen à moda da segunda circular) são derrotados por um projeto decente (Frederico Varandas) e quando esse projeto decente se torna ganhador nesse mesmo contexto, é acontecimento que tem de ser bem festejado, pois tem ampla extrapolação para a política e como precisamos de vitórias deste tipo. E tanto mais é de festejar quanto mais Presidente (Varandas), treinador (Rúben Amorim) e uma grande diversidade de jogadores bem jovens podem ser considerados gente em processo de acelerada aprendizagem, o primeiro em termos de gestão futebolística e domesticação de outros leões, o segundo em termos de pressão dos grandes momentos e os últimos a lidar com a exposição e o possível deslumbramento.
Mas é sobretudo em termos do comando técnico de Rúben Amorim que me apetece exercitar a análise, que também é uma forma de compensar a perda já atrás assinalada.
Ousaria dizer que os três treinadores em foco na disputa final, Amorim, Conceição e Jesus não se afastam muito entre si do ponto de vista dos seus conhecimentos técnicos. Nenhum deles a meu ver se destaca superiormente segundo um modelo de competência técnico-científica que talvez possamos encontrar em técnicos como Pepe Guardiola (tão estudado pelos especialistas de liderança), Tuchel (atualmente no Chelsea) ou em menor medida Klopp do Liverpool. Nem Amorim, nem Conceição, nem Jesus apresentam formação de base para alcançar esse perfil. Se este meu diagnóstico está correto, então o que valerá essencialmente na explicação do seu desempenho são essencialmente duas dimensões: por um lado, a sua capacidade de aprendizagem com o jogo em concreto e sobretudo a capacidade de formalizar essa aprendizagem em princípio aplicáveis noutras situações; por outro lado, o que pelas bandas da formação e das competências está na moda designar de “soft skills”.
Em meu entender, a aplicação do primeiro princípio aos três personagens fornece os seguintes resultados:
- Jesus já esgotou a meu ver o potencial que revelou noutros tempos de aprender com o jogo e a gorada aplicação do seu saber acumulado ao SLB desta época (independentemente de controlarmos ou não pela influência do COVID-19) representa para mim a melhor justificação desse esgotamento; o salto do mundo do futebol brasileiro para o europeu foi mal calculado e isso revela uma deficiente perceção do contexto de aplicação do conhecimento;
- Conceição dá mostras de preferir a sagacidade e a galvanização a uma aprendizagem continuada e formalizada do jogo, embora tenha a seu favor uma espantosa relação equipa-resultados na Champions com resultados ao nível dos melhores;
- Amorim parece não ter na sua aprendizagem um referencial determinado pelo que a sua evolução revela um apurado sentido de formalização de experiência; não sei explicar a última quebra do Sporting, mas a partir de certo momento a galvanização face ao êxito próximo compensou o risco de fracasso, que foi elevado.
Mas a grande diferença entre os três está nas “soft skills”. Vale a pena perguntar o que são as “soft skills” num treinador. Diria em síntese que se trata da capacidade de gerir o jogo para lá do que se passa no relvado e na bolha de cada clube. É a gestão de expectativas, o lado comunicacional, o “jogo” com a imprensa. Em todos estes parâmetros, Amorim ganha de longe e isso talvez tenha explicado o êxito do Sporting. Não sei se Varandas terá ou não intuído este potencial. Talvez não. Mas bem pode utilizá-lo em seu favor.
Já repararam que não integrei na comparação o Carvalhal (Sporting de Braga). Não foi por acaso. Em coisas futebolísticas sou supersticioso e ainda há um título para disputar. E a fezada já é pouca.
Nota final:
A variabilidade da indignação da opinião pública portuguesa e as falsas medidas para a sua expressão são indigentes. A proteção a uns proprietários de “caravanas em resorts falidos face à proteção de migrantes indefesos e o clamor quanto à festa do Avante face à indiferença dos festejos do Sporting em termos de contenção pandémica são confrontos confrangedores, reveladores de desequilíbrios preocupantes acolitados pela comunicação social.
Tenho dito e parabéns ao Sporting, ao Varandas e ao Amorim. São justos.
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