domingo, 30 de maio de 2021

FRIENDS

 

(Continuo na senda da HBO, hesitei em ceder à nostalgia de regressos ao passado, mas o Friends Reunion é tão tentador que não resisti, afinal trata-se de um monumento da cultura urbana televisiva e relembrá-lo com a competência que só os americanos conseguem imprimir a estas coisas valia o risco. Excelente para uma tarde de domingo mais nostálgica do que o habitual, risco ultrapassado, recomenda-se para os fans da série.)

Numa série que durou 10 anos (de 1994 a 2004), e que ainda resiste em inúmeros canais, fortemente globalizada, é natural que para os admiradores convictos da sua existência os nomes dos personagens se confundam com os artistas que os interpretavam. Por isso, o desafio era enorme. Montar um espetáculo recordatória com Rachel Green (Jennifer Aniston), Monica Geller (Courteney Cox), Phoebe Buffay (Liza Kudrow), Ross Geller (David Schwimmer), Chandler Bing (Matthew Perry) e Joey Tribbiano (Matt LeBlanc) com uns anos e provavelmente uns quilos em cima era um risco grande, com uma probabilidade enorme de se transformar numa xaropada, sobretudo para quem não era fan da série.

Talvez por ter necessariamente uma avaliação declaradamente enviesada, a minha avaliação é que o regresso ao palco, ao script e às condições concretas em que a criatividade da série foi construída por David Crane e Martha Kauffman venceu todos os riscos que poderiam ser à partida identificados.

Dizia alguém no episódio recordatória (a expressão é de David Crane) que o Friends representava aquele momento das novas vidas em que a juventude e os amigos próximos são a nossa família. Eu sei que as críticas mais amargas nos vão cravar com a ideia de que se trata de uma injeção insuportável de nostalgia, mas devo dizer-vos que posso bem com essa chancela.

A construção do episódio é interessante pois ele organiza-se em torno de um “talk-show” ao vivo dirigido pelo impagável James Corden, com os seis intérpretes-personagens sentados no sofá dos convidados e na plateia gente direta ou indiretamente ligada à série, seja nos ambientes do bar ou do apartamento, embora sem nunca limitar tudo o resto. O tempo talvez se note mais neles do que nelas, embora em Jennifer Aniston e em Courteney Cox (mais do que em Liza Kudrow) as sequelas das plásticas se notem aqui e ali. Há seguramente na sequência de testemunhos pontos supérfluos e comercialões (como, por exemplo, a presença de David Beckham), como James Poniewosik pertinentemente o assinala no The New York Times (link aqui), mas há momentos bem conseguidos como o da passagem de Lady Gaga para interpretar com Phoebe o Smelly Cat.

Mas os momentos melhor conseguidos são os que acontecem apenas entre os seis intérpretes que vão desfilando experiências, recordações, curiosidades, gafes e flirts não concretizados (o de Jennifer Aniston e David Schwimmer). O episódio consegue, por essa via, vencer a tentação de ensaiar uma espécie de post-finale, numa série que acabou como tinha de acabar e que por isso qualquer tentativa de reinventar a trama seria, essa sim, uma incrível xaropada.

E o melhor de tudo é que quando o episódio termina todos internalizamos a ideia de que não será repetível, magnificamente em linha com a impossibilidade real de ensaiar qualquer reinvenção da história, anulando o seu final.

É que se a interpretação de David Crane está correta, ou seja se Friends nos traz o tempo em que a ambiência da juventude e dos nossos amigos mais próximos são a nossa família, não ignoro que isso do “Forever Young” é uma grande treta e que os que teimam em permanecer nesse limbo saem regra geral chamuscados da vida.

Por isso, tal como os 10 anos da série o episódio dos Friends Reunion passa a integrar a arqueologia do irrepetível.

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