terça-feira, 18 de maio de 2021

O TANAS!

(Quando de manhã bem cedo iniciava o trabalho com o roteiro dos e-mails diários pessoais e de trabalho, num ritual que vai para lá do confinamento e suas consequências, deparei-me com uma mensagem publicitária da Adolfo Dominguéz, oferecendo-me um bónus comercial pelos meus 72 anos. A campanha a que aqui já me referi e que me colocou seguramente nas malhas de algoritmo qualquer é a conhecida #SEMAISVELHO, que adoça com a referência que se lhe segue: OS ANOS TORNAM-NOS MAIS SÁBIOS.)

É curioso como a minha reação foi um pouco diferente da que aqui expressei quando me colocava na pele mais distante do observador urbano acidental e me referi à adaptação que as grandes marcas do consumo estão a realizar à forte tendência do envelhecimento que marca inapelavelmente as sociedades ocidentais mais avançadas. O tipo da imagem é mesmo VELHO e a história das mãos nos olhos, perscrutando o horizonte, sabe-se lá se com ou sem cataratas, não me entusiasmou pela manhã.

Não é que me possa queixar pelos 72 anos que se acumularam, ainda bastante ativo, resisto relativamente bem às maleitas mais pródigas nesta idade, tenho a felicidade de estar bem acompanhado, gostar do que faço, sinto-me ainda bastante curioso intelectualmente falando e graças a um conjunto de traços comportamentais não posso dizer que o confinamento me tenha marcado para todo o sempre.

Mas se há coisa com que solenemente embirro é com toda uma encenação linguística e comunicacional preparada para nos convencer que isto de envelhecer é a melhor fase da vida e que tudo correrá pelos melhores eixos à medida que os anos se acumulam, o que é uma verdadeira conversa da treta, uma espécie de autoilusão em que muitos embarcam como um sucedâneo da amargura.

Certamente que aqueles que têm como únicos companheiros de vida diária os Nebilet, a metformina ou medicamento mais moderno e todo um rol de pílulas que nos enchem as simpáticas caixinhas que nos orientam diariamente na medicação, completados pelo gato ou pelo cão, ou pelas companhias mais ou menos petrificadas de um lar qualquer estão numa situação incomparavelmente pior do que a minha. Tenho um profundo respeito por essas vulnerabilidades que o melhor sistema público não pode disfarçar. Por isso, tenho bem a noção da sorte que me tem cabido e acompanhado, permanecerei na atividade mesmo que em transição até onde as forças e o intelecto o permitirem, combato na medida do possível o desencanto e a amargura. Mas daí a pactuar com a ladainha que branqueia a chatice de ser velho vai uma longa, bem longa distância. Assim como considero que o direito a uma comunicação não infantilizada, como muitas vezes a pressentimos e ouvimos mesmo nos lares mais solícitos e de melhores cuidados, faz parte do direito de ser velho e ser tratado como um adulto como outro qualquer.

Ergo o copo ou a taça, mais enologicamente sofisticado ou mais corrente, aos 72 anos, à companhia e aos afetos dos que me são próximos e à lembrança dos que mesmo fisicamente distantes, pela pandemia ou pelas incidências geográficas da vida, se lembraram do 18 de maio.

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