terça-feira, 4 de maio de 2021

TAMBÉM ESTOU SEM BÚSSOLA!

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

Eu estava até convencido de que tinha algum jeitinho para ler o entorno político que se me depara, mas começo seriamente a descrer das minhas reais capacidades analíticas na matéria. A entrevista em dois episódios concedida pelo primeiro-ministro às principais marcas do Grupo Global Media (TSF, JN e DN) e publicada durante o fim de semana só veio adensar pela negativa aquela impressão de descrença nas minhas faculdades pessoais. Porque haverá seguramente razões da maior substância e pertinência para que António Costa se vá posicionando como tem vindo a acontecer, eu é que, certamente por defeito próprio, não logro de todo alcançá-las.

 

No Verão, Costa afirmava que o seu governo estava feito se algum dia precisasse do PSD, ao mesmo tempo que entregava a Rio a liderança das CCDR’s a Norte e a Centro; depois, pareceu querer conceder ao centro e apoiou entusiasticamente um Marcelo que se declarou especialmente atento à estabilidade política e à necessidade imperiosa de caminhos sólidos e moderados de reforma na sociedade portuguesa, mas logo o foi acusando de leituras criativas da Constituição para agora vir falar com enorme rispidez da falta de pontos cardeais do “cata-vento” Rui Rio (ou Riu Rio, na sua extraordinária e precipitada dicção); quanto ao Bloco, foi aquilo que se sabe, tratado liminarmente como um parceiro descartável e em nada comparável ao velho e leal PCP e justamente merecedor das piores acusações durante meses, sendo que entretanto já são referenciados com naturalidade aqueles casais que se separam e voltam a casar-se pela segunda vez tempos mais tarde (numa alusão indireta a um possível ou desejável refazer da geringonça?); e por aí adiante, abundantes seriam os exemplos mencionáveis se fôramos abordar outros e variados temas da cena política nacional cujo tratamento não desmereceria da conhecida boutade de Pimenta Machado sobre o futebol.

 

Os analistas da praça andam excitadíssimos com a situação. Uns entendem que Costa quer mesmo reavivar a geringonça porque o seu futuro por cá não tem outro horizonte possível e ele tem de aguardar pela oportunidade de um futuro por lá. Outros acham que Costa quer ter uma vitória autárquica diferenciadora a qualquer custo, também para ganhar tempo e espaço de manobra e para evitar as traquinices de Pedro Nuno. Outros ainda julgam que Costa quer arrasar para o pós-marcelismo, chamando o centro todo para ele e assim encostando o mais possível o PSD ao extremismo direitista do Chega. Outros, por fim, acham que ele está farto e cansado e que acha que para mal já basta assim (a pandemia e as chatices relacionadas), pelo que cada dia é um dia e há que o gozar de acordo com uma eficaz grelha de combinação entre os humores com que acordamos e as hipóteses práticas que se nos oferecem.

 

Pese embora o facto de a direção deste PSD estar em luta clara pela sua sobrevivência (com Passos e muito aparelho à espreita), para o que os resultados autárquicos serão visivelmente decisivos (sobretudo se forem muito maus), e de por isso mesmo não ter qualquer pejo em juntar na mesma Área Metropolitana de Lisboa um candidato credível embora “copinho de leite” (como Carlos Moedas em Lisboa) e uma candidata capaz de tudo porque truculenta e desbocada, entre outros atributos (como Susana Garcia na Amadora — o cartune de Cristina Sampaio é, desse ponto de vista, uma perfeita delícia e uma merecida denúncia!), a verdade é que o taticismo de António Costa começa a ser de tal ordem e grau de variabilidade que tende a parecer transmutado em estratégia de fundo (ou será que o é mesmo e eu é que não o atinjo?). Em suma, e no que me toca, juro que pagava para saber o que lhe vai na cabeça e na alma ou, o que equivale mais ou menos à mesma coisa, para onde vai ou pensa que vai!


(Cristina Sampaio, https://www.publico.pt)

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