Algo de muito pouco claro se passa no chamado caso Rui Moreira/Selminho. Pela parte que estritamente me toca, e não conhecendo todos os contornos factuais do assunto na sua integral complexidade, só posso afirmar-me convicto quanto à revoltada perplexidade do presidente da Câmara e à justeza das principais razões que lhe assistem, seja porque se trata inquestionavelmente de uma pessoa de bem (o que é o mais substantivo) seja porque há uma manifesta diferença entre negligência e dolo e/ou porque o resultado de todo o processo atesta uma ausência objetiva de benefício para a sua família (o que deveria ser juridicamente tido em conta).
Dito isto, e sublinhando ainda a estranheza dos timings judiciais (quer o presente quer o anterior, igualmente em cima das eleições autárquicas), bem indiciadora de interesses políticos obscuros a serem jogados, o que venho aqui sobretudo denunciar são as insultuosas declarações de uma jornalista sénior (mas bastante impreparada e precipitada) como é Anabela Neves (hoje na TVI24, após muitos anos alapada no Parlamento em nome da SIC). A denúncia é apenas cidadã e não em nome de qualquer defesa de Rui Moreira, porque foi a cidade do Porto e os portuenses que ela pretendeu atingir numa “portofobia” (portofobia sim, senhores do “Governo Sombra”!) grosseira e inexplicável — assim, e reproduzo literalmente: “Parece que ele quer continuar esta marcha para o terceiro mandato. Eu de qualquer modo, sinceramente, obviamente compreendo a emoção, mas não sei se numa situação semelhante — e é importante também às vezes pensar —, se tivéssemos por exemplo o atual presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, acusado de algo semelhante e nesta situação provavelmente seríamos todos mais exigentes. Acho que o facto de ser o Porto permite que este processo se arraste há dois mandatos, um processo que apesar de tudo mancha de alguma forma o homem que ocupou o lugar durante esses dois mandatos, porque, para todos os efeitos, há aqui algo que é claro: o presidente, Rui Moreira, nunca deixou de ser sócio — penso que não, o Pedro confirmará — da Selminho, ou seja, há um conflito de interesses: a Selminho é uma agência imobiliária da família e ele manteve-se sempre como sócio, sendo presidente da Câmara do Porto; sendo que a Selminho tinha um conflito e um contencioso anterior com a Câmara. Portanto, eu não se de facto isto acontecesse na Câmara de Lisboa não estaríamos aqui a olhar para isto e não estaríamos a exigir que o atual presidente... Ou mesmo noutra Câmara mais próxima aqui de Lisboa, diria eu, não estaríamos a exigir que Rui Moreira assumisse de outra forma este processo. Porque há um processo judicial que se arrasta mas que teve agora uma decisão, e uma decisão instrutória: vai a julgamento. Portanto, eu tenho muitas dúvidas se um homem nesta situação deveria ser candidato à Câmara do Porto.”
Num país que se guiasse por alguma decência e normalidade, que distinguisse entre julgamentos em praça pública e criminalizações ponderadas e justas, que não pusesse tudo ao molhe em termos de avaliação de comportamentos na esfera pública e onde efetivamente se valorizassem por essenciais os equilíbrios de toda a ordem (políticos e partidários, sociais e territoriais, pessoais e geracionais, etc.), não deveria valer tudo, muito menos a inconsequência e irresponsabilidade de quem tem um microfone à sua frente e sabe que assim contribui para influenciar e fazer opinião. É por isso que a ultrajante e desaforada intervenção de Anabela Neves merece uma inequívoca reprovação, mais não seja por parte dos portuenses que ela deliberadamente destratou. Estou ademais convencido de que, se Rui Moreira se decidir a ir às urnas em setembro, os eleitores do Porto não apenas validarão a obra realizada pela sua equipa como também não deixarão de ter em conta investidas desta natureza na expressão do seu voto.
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