(Há dias em que as intervenções públicas do atual líder do CDS me sugerem estarmos perante um menino do coro que se põe desesperadamente em bicos de pés para liderar a orquestra. Tenho de recuar bastante no tempo e na minha memória para me lembrar de uma liderança tão pueril. Por estes dias, Rodrigues dos Santos assumiu também puerilmente as dores dos seus amigos e dirigentes da CAP e lá proferiu a sua “boutade” para memória futura sobre os eventos de Odemira. Mas presume-se que o jovem estava a falar sério, o que ainda tem maior significado.)
Em linha com algumas intervenções de membros e dirigentes da CAP, organização que continua a falar da agricultura portuguesa como se a representasse em todas as suas dimensões territoriais, o que não é verdade, o líder do CDS veio a terreiro proclamar que a propósito dos tristes e há muito conhecidos acontecimentos de Odemira se está a assistir a um ataque ideológico à agricultura.
Asseguro-vos que tive de fazer um sério esforço para rebobinar o que tinha ouvido, tão estranha e desbocada me tinha parecido aquela intervenção.
O CDS tem um S na sua designação e julgo não ser uma mera circunstância de sigla. O CDS representava a explicitação de uma certa dimensão social da direita, já não falo da origem do pensamento da Igreja que lhe dá origem, mas apenas de uma preocupação de vincar que o mercado não existe sem uma dimensão social a regulá-lo. Pelas declarações de Rodrigues dos Santos percebe-se que o S está petrificado e que se escapuliu sorrateiramente de cena.
Interpretar a denúncia da exploração de gente indefesa que foge de rendimentos próximos de zero e da violência em todas as suas formas, da existência de intermediações nacionais e internacionais no recrutamento de mão-de-obra migrante que se regem pela mais pura ganância e indiferença pelo sofrimento humano, do oportunismo de senhorios que encontram na situação o seu eldorado cobrando rendas incompatíveis com as condições de salubridade que oferecem e da moderna manifestação de fenómenos de escravidão e da mais vil sujeição humana é para o líder do CDS um ataque ideológico à agricultura.
E não me venham com a história de que as empresas das culturas intensivas se limitam a pagar salários e que não têm nada que ver com as redes e máfias que intermediam o recrutamento. Falar de sustentabilidade não apenas como um chavão inerte e para consumo mediático é também identificar as condições sociais e ambientais em que os produtos são produzidos.
A indiferença com que o país encarou os inúmeros testemunhos sobre os mais sórdidos meandros da oferta de trabalho às culturas intensivas é uma chaga da qual nem o Governo pode tirar confortavelmente a água do capote. Mas interpretar a denúncia do fenómeno como um ataque ideológico à agricultura capitalizada e que está a anos luz da agricultura mítica que nos tentam veicular ultrapassa os limites da decência.
E o que mais me irrita é que se pressente claramente que o líder do CDS o proclamou para agradar e transmitir o recado dos seus amos da CAP. O homem andou pelo Colégio Militar e por isso deve gostar de obedecer.
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