quarta-feira, 5 de maio de 2021

E ASSIM SE VÊ A DIMENSÃO S DO CDS

                                                                                 

(Há dias em que as intervenções públicas do atual líder do CDS me sugerem estarmos perante um menino do coro que se põe desesperadamente em bicos de pés para liderar a orquestra. Tenho de recuar bastante no tempo e na minha memória para me lembrar de uma liderança tão pueril. Por estes dias, Rodrigues dos Santos assumiu também puerilmente as dores dos seus amigos e dirigentes da CAP e lá proferiu a sua “boutade” para memória futura sobre os eventos de Odemira. Mas presume-se que o jovem estava a falar sério, o que ainda tem maior significado.)

Em linha com algumas intervenções de membros e dirigentes da CAP, organização que continua a falar da agricultura portuguesa como se a representasse em todas as suas dimensões territoriais, o que não é verdade, o líder do CDS veio a terreiro proclamar que a propósito dos tristes e há muito conhecidos acontecimentos de Odemira se está a assistir a um ataque ideológico à agricultura.

Asseguro-vos que tive de fazer um sério esforço para rebobinar o que tinha ouvido, tão estranha e desbocada me tinha parecido aquela intervenção.

O CDS tem um S na sua designação e julgo não ser uma mera circunstância de sigla. O CDS representava a explicitação de uma certa dimensão social da direita, já não falo da origem do pensamento da Igreja que lhe dá origem, mas apenas de uma preocupação de vincar que o mercado não existe sem uma dimensão social a regulá-lo. Pelas declarações de Rodrigues dos Santos percebe-se que o S está petrificado e que se escapuliu sorrateiramente de cena.

Interpretar a denúncia da exploração de gente indefesa que foge de rendimentos próximos de zero e da violência em todas as suas formas, da existência de intermediações nacionais e internacionais no recrutamento de mão-de-obra migrante que se regem pela mais pura ganância e indiferença pelo sofrimento humano, do oportunismo de senhorios que encontram na situação o seu eldorado cobrando rendas incompatíveis com as condições de salubridade que oferecem e da moderna manifestação de fenómenos de escravidão e da mais vil sujeição humana é para o líder do CDS um ataque ideológico à agricultura.

E não me venham com a história de que as empresas das culturas intensivas se limitam a pagar salários e que não têm nada que ver com as redes e máfias que intermediam o recrutamento. Falar de sustentabilidade não apenas como um chavão inerte e para consumo mediático é também identificar as condições sociais e ambientais em que os produtos são produzidos.

A indiferença com que o país encarou os inúmeros testemunhos sobre os mais sórdidos meandros da oferta de trabalho às culturas intensivas é uma chaga da qual nem o Governo pode tirar confortavelmente a água do capote. Mas interpretar a denúncia do fenómeno como um ataque ideológico à agricultura capitalizada e que está a anos luz da agricultura mítica que nos tentam veicular ultrapassa os limites da decência.

E o que mais me irrita é que se pressente claramente que o líder do CDS o proclamou para agradar e transmitir o recado dos seus amos da CAP. O homem andou pelo Colégio Militar e por isso deve gostar de obedecer.

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