sábado, 15 de maio de 2021

UMA BIOGRAFIA AMPUTADA

Já está à venda a “biografia” de António Guterres. Repleto de episódios interessantes e, sobretudo, de uma útil sequência reconstitutiva de factos, o livro não deixou de constituir, para mim, uma deceção. Ele surge mais como um repositório de pequenos protagonismos de atores secundários do que como uma reflexão maturada e sincera do ator principal. Ademais, a obra também não disfarça a necessidade de se ter à disposição umas centenas de páginas comprovativas da qualidade do mesmo, seja em termos de inteligência e argúcia política seja em termos de visão e experiência internacional. Perde-se, com este tipo de opções uma perceção mais aprofundada daqueles anos em que o atual secretário-geral da ONU andou por cá, entre aproximação e militância no PS, disputas pela sua liderança, primeiro, e pelo comando do País, depois, e um exercício relativamente longo e muito rico (para o melhor e para o pior) do cargo de primeiro-ministro sem dispor de maioria absoluta (1995/2002). Ou seja, perde-se a oportunidade de “ouvir” o próprio sobre uma vasta multiplicidade de temas e acontecimentos que marcaram todos aqueles anos e, principalmente, os últimos sete (you name it!), assim algo do género da magnífica biografia que José Pedro Castanheira nos proporcionou a propósito de Jorge Sampaio. Guterres, que confessa não tomar nem guardar notas de nada, acaba assim por praticamente não se explicar sobre muito do que de essencial viveu politicamente e optou por fazer e não fazer durante aquele período, deixando deste modo uma lacuna que interpretações subjetivas (mais ou menos aprovadoras) irão preenchendo. Ainda assim, a leitura do livro tem detalhes valiosos, dá pistas importantes e tem alguns dados inéditos e várias revelações; ou seja, vale muito a pena.

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