terça-feira, 25 de maio de 2021

INDIGNAÇÃO ÉTICA OU MORAL?

 


(A cada cavadela nos processos percebe-se que a ambição política de Sócrates, manifestada na transição para os últimos anos de governação, já que o Sócrates reformista já está esquecido há muito, gerou efeitos tóxicos no seu grupo de proximidade. Interrogo-me como na esfera da governação e do próprio PS esses efeitos tóxicos puderam ser aparentemente contidos. Hoje, a propósito do modo como a Faculdade de Direito de Lisboa resolveu o caso de abuso de poder e de falsificação de documentos com que foi acusado Domingos Farinha, o alegado escritor-sombra dos devaneios ensaísticos do parisiense Sócrates, aluno da Sciences Po. )

Numa Faculdade que foi conhecida no passado pela resistência à ditadura e às múmias mais paralíticas do regime e que em democracia ficou conhecida também por alguma doutrina inovadora (a doutrina interpretativa da fuga para o direito privado ajudou-me imenso a compreender e a estudar a transformação do quadro institucional do desenvolvimento local e autárquico), emergiu agora um conceito jurídico a que poucos deram atenção. A pérola chama-se “suspensão provisória do processo”. Farinha burlou, abusou do poder e falsificou documentos (declarações) à Faculdade sua empregadora, para violar a exclusividade com que era remunerado pelas suas funções docentes. Ora, como afirmou aos jornalistas o advogado no processo da própria Faculdade de Direito, o papagaio bem-falante e esmeradamente bem vestido Paulo Saragoça da Matta (com dois TT pois um só presta-se a confusões), a Faculdade de Direito não é uma instituição com tradição persecutória dos seus docentes (leia-se o Público). Farinha tens uns meses para ver se te portas bem, devolves o dinheirinho com que te quiseste abotoar indevidamente em exclusividade e, independentemente de teres ou não ajudado o ensaísmo de Sócrates regressa á tua casa mãe que esquecemos o resto.

Não está aqui em causa se o homem foi ou não escritor-sombra, alter ego de um Sócrates pouco socrático, antes pragmático no que podia comprar. O que estava em causa em tribunal, reza o Público, foi a burla à sua entidade empregadora, violando um direito à dedicação exclusiva que é uma remuneração adicional, não para comprar umas coisinhas mais, mas uma opção essencialmente ética e de postura perante a docência e investigação. Não sei se na Faculdade de Direito é assim, mas praticamente em todas as Faculdades e Universidades existem regimes que permitem a prestação de serviços institucional mantendo a dedicação exclusiva, que implica alguma remuneração para o docente-investigador-prestador e os diferentes overheads para a instituição segundo regulamentos próprios e que variam de Escola para Escola.

Mas não o Professor Farinha necessitava de maior flexibilidade. É que entre outras coisas conhecidas não seria Sócrates a pagar-lhe e seria mais complicado entrar um contrato de prestação de serviços na Faculdade de Direito cujo objeto real não poderia corresponder ao objeto de facto.

Mas a figura da “suspensão provisória do processo” é uma espécie de figura do arrependimento potencial, volta Farinha, a tua mulher de nome britânico, também advogada que assinou o contrato, devolve o dinheiro, o orçamento da Faculdade é reparado e tudo bem como dantes.

Ética jurídica é coisa que não condiz com contas para pagar ou tentações de momento, ser alter ego é sempre fascinante e, como já o sei há bastante tempo, o escrutínio e a “accountability” em algumas instituições são um monumento de hipocrisia quando comparado com o escrutínio que recai sobre os políticos, legal e político.

Outros resíduos tóxicos de proximidade à ambição Socrática irão certamente ainda emergir e, repito, é um verdadeiro espanto não terem galgado os muros de suporte do PS e dos que governaram com o ex-primeiro Ministro.

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