(Tal como o anunciei no meu último post, a manhã de sexta
feira 24 era dedicada à apresentação dos resultados da avaliação intercalar do
Programa Operacional Capital Humano 2014-2020 que tive o prazer de coordenar.
Os eventos organizados por este Programa Operacional são conhecidos pela
qualidade da sua organização, sobretudo a partir do momento em que a divulgação
das suas atividades e resultados é realizada em cooperação com o Jornal
Público. Assim foi o de hoje, com a particularidade de toda a organização do
evento (condução da reunião, animação musical, catering para um porto de honra,
som e imagem) ser de responsabilidade de jovens diplomados de cursos
profissionais apoiados pelo Programa. Numa atividade
dura e complexa como a avaliação, poder comunicar resultados em público,
perceber que o poder de decisão política está atento aos resultados da
avaliação e participa ativamente no evento a eles dedicado e sentir que a
qualidade do trabalho é reconhecida acaba por mitigar todas as dificuldades de
um exercício desta natureza. Além disso, é muito retribuidor sentir que se partilha
um momento de prestação de contas de política pública, um passo seguro em
direção à accountability dos processos. É neste tipo de momentos que
tenho a perceção de que o mundo vivido num dia como o desta sexta-feira está em
total não sintonia com o mundo construído a nível mediático em torno da
aplicação dos Fundos Europeus em Portugal, embora deva reconhecer que a
realidade transmitida por este Programa Operacional reúne o que de melhor pode
ser encontrado na gestão de Fundos Europeus.)
A presença de dois ministros, Mariana Vieira da Silva e João Costa e um
Secretário de Estado (do Trabalho) Miguel Fontes, ilustra a atenção que a
apresentação dos resultados do Programa suscitou junto do poder político. A
perspetiva do avaliador é de reafirmar a esperança que a implementação do novo
Programa Operacional Demografia, Qualificação e Inclusão possa pelo menos
refletir sobre algumas das recomendações da avaliação, num contexto novo em que
as questões das qualificações e da inclusão estão reunidas num só Programa,
aumentando o desafio de dar sequência à massa de recursos financeiros que ele
representa no PT2030 (o maior Programa em termos de alocação de recursos).
O debate que o painel moderado por Manuel Carvalho permitiu lançar (com
presenças da UGT, Confederação de Comércio e Serviços, Planapp e Conselho Nacional
de Educação representado pelo seu presidente professor Domingos Fernandes) trouxe
essencialmente duas grandes questões:
§ Uma questão que converge bastante com a conclusão da avaliação de que a
qualificação do Sistema de Educação e Formação deve partir agora de um novo
estádio de organização do mesmo em que o ensino profissional ganhou uma outra
expressão e que o Professor Domingos Fernandes colocou de uma forma muito
original – o secundário está a ganhar uma nova identidade em Portugal,
sobretudo a partir do momento em que está finalmente definido o que o diplomado
com o ensino secundário, seja nos cursos científico-humanísticos, no ensino profissional
ou no ensino artístico especializado, deve saber e ser capaz de fazer;
§ Uma outra questão que não está nem tanto relacionada com resultados da
avaliação, mas que é um tema caro na minha reflexão – o que é que explica que,
perante a melhoria avassaladora das qualificações observada no país sobretudo
nas duas últimas décadas, o desempenho económico nacional (crescimento, produtividade,
desempenho das empresas) fique tão aquém do esperado?
A primeira questão é crucial e converge em absoluto com a conclusão da avaliação
de que o PO Capital Humano teve um contributo relevante para a qualificação do
sistema de educação e formação do ponto de vista da redução das taxas de
insucesso, retenção e abandono, mas que agora é necessário traduzir e operar
numa outra realidade – a de um sistema com outras características, em que o
ensino profissional é claramente a nova realidade, mas em que falta dar ao
ensino artístico a expressão que ele merece até para responder de forma mais
completa e integrar ao que espera de um jovem com a formação do secundário,
qualquer que seja a via escolhida, a científico-humanística, a profissionalizante
ou a artística.
A segunda questão, levantada inicialmente pelo representante da UGT, José
Luís Presa, e posteriormente retomada pelo Manuel Carvalho na moderação, permitiu-me
uma intervenção complementar, orientada em torno da minha metáfora favorita, a
da gastronomia, que não é essencialmente minha, mas que adaptei a partir de uma
incursão também metafórica do Nobel Paul Romer sobre o crescimento económico. Expressou
este Vosso Amigo que a melhoria avassaladora das qualificações na sociedade
portuguesa equivale à melhoria de qualidade considerável de um ingrediente para
confecionar múltiplos menus gastronómicos. Mas a arte da gastronomia não reside
apenas na escolha da qualidade dos ingredientes. A verdadeira arte da
gastronomia é a capacidade, engenho ou intuição de combinar a melhoria desse
ingrediente com outros ingredientes necessários. Ora, o que se depreende do
observado em Portugal é que as empresas, as organizações em geral e a
governação ainda não conseguiram produzir as combinatórias desejáveis para que
o esperado aumento do desempenho económico reaja positivamente à, repito, avassaladora
melhoria das qualificações. E referi também que a duração do gap
temporal em que a melhoria das qualificações coexista com desempenho económico
inferior ao esperado é um fator crítico. Um desvio temporal demasiado
prolongado no tempo fará com que parte dessa melhoria sensível das
qualificações vá beneficiar outros países, já que os jovens mais qualificados encontrarão
oportunidades e remunerações na economia global. Não vale a pena chorar sobre o
leite derramado, pois para uma economia de pequena e média dimensão como a
nossa, apostada na abertura ao exterior, essa abertura não tem apenas um único
sentido.
Dir-me-ão que a melhoria de qualificações produziu essa melhoria de
desempenho noutros países. Sim, embora não também imediatamente. Mas
regressando à metáfora, nesses outros países, que partiram de défices de
qualificações bem mais baixos, existem outros chefs, outra organização e capacidade
que apressa a verificação das tais combinatórias do mais elevado desempenho.
Por cá estamos a fazer tudo ao mesmo tempo, incluindo a formação de chefs cada
vez mais talentosos.
Faço-me entender?
Nota final:
Este texto era para ser concluído no Intercidades das 22 que parte de Santa
Apolónia, depois de um merecido jantar de avós com netos, filho e nora. Esqueci-me
que o material circulante do IC não é o do Alfa e que a bateria do portátil
precisava de ser carregada.