(Tenho a melhor das impressões de Miguel Poiares Maduro. Pensa e escreve bem, é ponderado e coerente, insere-se numa corrente efetivamente social-democrata que vai rareando no PSD e se é verdade que a sua passagem pelo Governo de Passos Coelho ficou abaixo das minhas expectativas, complicando desnecessariamente o início da programação 2014-2020, a qualidade do seu contributo reflexivo para a democracia portuguesa merece toda a minha admiração. MPM assina no Expresso desta sexta feira um artigo muito corajoso que vem ao encontro do que tenho vindo sistematicamente a defender, quer em momentos de presença pública, quer em trabalhos de avaliação de políticas públicas que envolvem a mobilização de Fundos Europeus. O debate e a pressão sobre a execução dos Fundos Europeus vão no caminho errado, principalmente porque não é esse o debate que interessa. MPM tem carradas de razão.)
Espero que alguma boa alma mais próxima do Presidente da República o leve .a ponderar (e a mudar radicalmente) a sua posição sobre a utilização de Fundos Europeus em Portugal, assentando todas as baterias na sua execução atempada, com o argumento linear de que Portugal não pode desperdiçar esses recursos. A pressão realizada pelo Presidente da República no seu esgotante estilo de comentar tudo como respira, independentemente da qualidade do ar e do sítio em que o faz, representa a ajuda mais perniciosa aos que se limitam a ver os Fundos Europeus como um instrumento de reforço da despesa pública e privada de um país à míngua de recursos. Tal como MPM o assinala, o debate que interessa não é o do ritmo de execução, mas antes o da qualidade de execução. O sistema administrativo e regulamentar que enquadra a aplicação dos Fundos Europeus está perigosamente orientado para as questões legais e burocráticas de execução, desconfia de todo o bicho careta que tem acesso a Fundos e concebeu uma “infernália” de processamentos entre a submissão de uma candidatura e o início dos reembolsos que sem qualquer surpresa coloca os beneficiários em stresse de desespero e os políticos em contínuo estado de ansiedade. Em todo esse processo, a qualidade da execução, a capacidade dos recursos aplicados responderem a uma estratégia de resposta a necessidades presentes e futuras e também a questão da coerência e complementaridade entre diferentes canais de despesa pública que os Fundos Europeus vieram reforçar são uma verdadeira miragem.
Como ando nestas coisas já há algum tempo, direi mesmo que a fobia da execução é um passa-desculpas para a fraca qualidade de algumas operações, a baixa seletividade das apostas e prioridades, a ausência de estratégia. É um facto que existe um plano nacional de avaliação, em cuja concretização tenho tido alguma presença relevante, sem falsa modéstia, mas uma larga parte dos resultados a que chegámos nessas avaliações ficam perdidos algures, não se sabe bem onde, sem chegar ao espírito com que se inicia um novo período de programação.
Os utilizadores de baixa qualidade dos Fundos Europeus regozijam-se com toda esta maluqueira da execução, porque sabem uma coisa com toda a nitidez: as condições de tramitação desses Fundos são em parte responsáveis pela lentidão dos processos de execução, pelo que forçando a nota sabem que, mais tarde ou mais cedo, chegará uma proposta qualquer de agilização e simplificação que abrirá caminho à baixa qualidade das operações.
A expressão de MPM é lapidar: “Já disse isto múltiplas vezes: é absurdo o país concentrar a sua preocupação naquilo em que não tem tido problemas (gastar todos os fundos) em vez daquilo em que tem tido problemas (gastar bem os fundos). Eu também quero que o país execute mais rápido, mas acho que o nosso histórico impõe que as prioridades sejam outras”. Bem-dito e assino por baixo.
Aliás, com tantos períodos de programação de fundos europeus que os Portugueses têm no bucho, poderíamos perguntar por que carga de água os impactos da despesa pública cofinanciada pela União Europeia não são mais notórios e determinantes? Claro que a resposta só pode estar na qualidade de execução e não na baixa execução que não tem sido observada Não podemos ignorar que os fundos são uma pedra no lago cuja dimensão não é por vezes suficiente para animar águas tão paradas, como metáfora da nossa mediania. Mas em termos de efeitos diretos e indiretos os seus impactos já deveriam ser mais visíveis (no dia 24 de fevereiro em Lisboa irei apresentar publicamente os resultados da avaliação do Programa Operacional Capital Humano, reportado a 31.12.2021, que já evidenciam alguma notoriedade desses impactos.
Por isso, Caro Presidente da República deixe-se de larachas sobre a execução dos Fundos e comece a promover a notoriedade do que é feito com qualidade, denunciando o que é mais do mesmo e que já não justifica beneficiar de ajuda europeia. Verá que terá surpresas agradáveis e desagradáveis. Quanto à execução, a inércia da máquina no passado resolverá o problema.
Nota final:
A questão do PRR é um pouco diferente e exige uma outra abordagem, que fica para um próximo post.
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