sábado, 25 de fevereiro de 2023

UM BOM MOMENTO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS DA POLÍTICA PÚBLICA

 


(Tal como o anunciei no meu último post, a manhã de sexta feira 24 era dedicada à apresentação dos resultados da avaliação intercalar do Programa Operacional Capital Humano 2014-2020 que tive o prazer de coordenar. Os eventos organizados por este Programa Operacional são conhecidos pela qualidade da sua organização, sobretudo a partir do momento em que a divulgação das suas atividades e resultados é realizada em cooperação com o Jornal Público. Assim foi o de hoje, com a particularidade de toda a organização do evento (condução da reunião, animação musical, catering para um porto de honra, som e imagem) ser de responsabilidade de jovens diplomados de cursos profissionais apoiados pelo Programa. Numa atividade dura e complexa como a avaliação, poder comunicar resultados em público, perceber que o poder de decisão política está atento aos resultados da avaliação e participa ativamente no evento a eles dedicado e sentir que a qualidade do trabalho é reconhecida acaba por mitigar todas as dificuldades de um exercício desta natureza. Além disso, é muito retribuidor sentir que se partilha um momento de prestação de contas de política pública, um passo seguro em direção à accountability dos processos. É neste tipo de momentos que tenho a perceção de que o mundo vivido num dia como o desta sexta-feira está em total não sintonia com o mundo construído a nível mediático em torno da aplicação dos Fundos Europeus em Portugal, embora deva reconhecer que a realidade transmitida por este Programa Operacional reúne o que de melhor pode ser encontrado na gestão de Fundos Europeus.)

A presença de dois ministros, Mariana Vieira da Silva e João Costa e um Secretário de Estado (do Trabalho) Miguel Fontes, ilustra a atenção que a apresentação dos resultados do Programa suscitou junto do poder político. A perspetiva do avaliador é de reafirmar a esperança que a implementação do novo Programa Operacional Demografia, Qualificação e Inclusão possa pelo menos refletir sobre algumas das recomendações da avaliação, num contexto novo em que as questões das qualificações e da inclusão estão reunidas num só Programa, aumentando o desafio de dar sequência à massa de recursos financeiros que ele representa no PT2030 (o maior Programa em termos de alocação de recursos).

O debate que o painel moderado por Manuel Carvalho permitiu lançar (com presenças da UGT, Confederação de Comércio e Serviços, Planapp e Conselho Nacional de Educação representado pelo seu presidente professor Domingos Fernandes) trouxe essencialmente duas grandes questões:

§  Uma questão que converge bastante com a conclusão da avaliação de que a qualificação do Sistema de Educação e Formação deve partir agora de um novo estádio de organização do mesmo em que o ensino profissional ganhou uma outra expressão e que o Professor Domingos Fernandes colocou de uma forma muito original – o secundário está a ganhar uma nova identidade em Portugal, sobretudo a partir do momento em que está finalmente definido o que o diplomado com o ensino secundário, seja nos cursos científico-humanísticos, no ensino profissional ou no ensino artístico especializado, deve saber e ser capaz de fazer;

§  Uma outra questão que não está nem tanto relacionada com resultados da avaliação, mas que é um tema caro na minha reflexão – o que é que explica que, perante a melhoria avassaladora das qualificações observada no país sobretudo nas duas últimas décadas, o desempenho económico nacional (crescimento, produtividade, desempenho das empresas) fique tão aquém do esperado?

A primeira questão é crucial e converge em absoluto com a conclusão da avaliação de que o PO Capital Humano teve um contributo relevante para a qualificação do sistema de educação e formação do ponto de vista da redução das taxas de insucesso, retenção e abandono, mas que agora é necessário traduzir e operar numa outra realidade – a de um sistema com outras características, em que o ensino profissional é claramente a nova realidade, mas em que falta dar ao ensino artístico a expressão que ele merece até para responder de forma mais completa e integrar ao que espera de um jovem com a formação do secundário, qualquer que seja a via escolhida, a científico-humanística, a profissionalizante ou a artística.

A segunda questão, levantada inicialmente pelo representante da UGT, José Luís Presa, e posteriormente retomada pelo Manuel Carvalho na moderação, permitiu-me uma intervenção complementar, orientada em torno da minha metáfora favorita, a da gastronomia, que não é essencialmente minha, mas que adaptei a partir de uma incursão também metafórica do Nobel Paul Romer sobre o crescimento económico. Expressou este Vosso Amigo que a melhoria avassaladora das qualificações na sociedade portuguesa equivale à melhoria de qualidade considerável de um ingrediente para confecionar múltiplos menus gastronómicos. Mas a arte da gastronomia não reside apenas na escolha da qualidade dos ingredientes. A verdadeira arte da gastronomia é a capacidade, engenho ou intuição de combinar a melhoria desse ingrediente com outros ingredientes necessários. Ora, o que se depreende do observado em Portugal é que as empresas, as organizações em geral e a governação ainda não conseguiram produzir as combinatórias desejáveis para que o esperado aumento do desempenho económico reaja positivamente à, repito, avassaladora melhoria das qualificações. E referi também que a duração do gap temporal em que a melhoria das qualificações coexista com desempenho económico inferior ao esperado é um fator crítico. Um desvio temporal demasiado prolongado no tempo fará com que parte dessa melhoria sensível das qualificações vá beneficiar outros países, já que os jovens mais qualificados encontrarão oportunidades e remunerações na economia global. Não vale a pena chorar sobre o leite derramado, pois para uma economia de pequena e média dimensão como a nossa, apostada na abertura ao exterior, essa abertura não tem apenas um único sentido.

Dir-me-ão que a melhoria de qualificações produziu essa melhoria de desempenho noutros países. Sim, embora não também imediatamente. Mas regressando à metáfora, nesses outros países, que partiram de défices de qualificações bem mais baixos, existem outros chefs, outra organização e capacidade que apressa a verificação das tais combinatórias do mais elevado desempenho. Por cá estamos a fazer tudo ao mesmo tempo, incluindo a formação de chefs cada vez mais talentosos.

Faço-me entender?

Nota final:

Este texto era para ser concluído no Intercidades das 22 que parte de Santa Apolónia, depois de um merecido jantar de avós com netos, filho e nora. Esqueci-me que o material circulante do IC não é o do Alfa e que a bateria do portátil precisava de ser carregada.

 

 

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