sábado, 18 de fevereiro de 2023

A ACELERAÇÃO DA NATUREZA

 


(O verde inconfundível dos carvalhos de Seixas ameaça despontar fora dos cânones temporais e mesmo as aleluias parecem também aproveitar a oportunidade de ludibriar o tempo de Páscoa. A natureza parece acelerada provavelmente pela mudança climática, que estes belos dias de fevereiro ajudam a dourar. E, acelerada que está, parece também determinada, em franca oposição com a indeterminação do nosso próprio futuro. Nestes dias estranhos de Carnaval em que ninguém parece querer festejá-lo, o tempo está mais para contemplação do que reflexão, mas ainda assim reúno alguns elementos que reforçam a nossa indeterminação que contrasta com a determinação de uma natureza em tempo acelerado de mudança.)

A economia, com epicentro na americana que continua fiel ao seu estatuto de pioneirismo antecipador do que vai pelo mundo da economia global, parece apostada em agravar a indeterminação que resulta do contexto geopolítico atual e da mudança social e política com que estamos confrontados.

A primeira evidência posso descrevê-la como a continuação do mistério da produtividade. O tema já foi aqui tratado e como o foi já há algum tempo isso significa que não estamos a falar de simples fenómenos ocasionais. A palavra mistério justifica-se. Vivemos tempos de fortíssima aceleração tecnológica. Todos os dias somos metralhados com evidências irrecusáveis da disseminação da inteligência artificial, da robotização e automação em geral e da transformação digital em geral. Não existe estudo que escape ao reconhecimento de que a vida e organização das empresas, das pessoas e das organizações em geral está a mudar aceleradamente, de que novas competências irão ser necessárias. Entretanto, a produtividade do trabalho e a produtividade total dos fatores (a que mede as melhorias de eficiência global das empresas e das organizações) continuam com crescimento anémico e ainda assim assinalando um desvio considerável à evolução das remunerações do trabalho.

O Instituto da McKinsey retoma o tema e assinala o seguinte (1):

“(…) Se a economia americana fosse um automóvel, poderia dizer-se que o motor está com problemas. Nos últimos 15 anos, a produtividade cresceu apenas a uma média anual de 1,4%, mesmo à medida que avanços incríveis na tecnologia digital tivessem colocado um supercomputador em todos os bolsos. Este estado das coisas é bem conhecido. Também não está confinado aos EUA. Muitos dos países da OCDE registaram uma queda no crescimento da produtividade desde 2005.” (Nota minha: nos países do G7 o decréscimo do crescimento da produtividade situa-se entre os 0,6% e os 1,6%, com destaque para o baralhado Reino Unido, cuja produtividade cresceu apenas a partir de 2005 a uma mísera taxa de 0,5%).

 

Quer isto dizer, e esse é o tema do gráfico acima reproduzido, que a economia americana tem visto a sua produtividade crescer abaixo do seu valor médio de longo prazo. Esta revelação não pode deixar de ser considerada paradoxal nestes tempos de aceleração tecnológica. Sabemos, entretanto, que essa aceleração tecnológica está a passar por problemas de disseminação e transferência. A prova mais ilustrativa é o facto da remuneração real do trabalho evoluir a uma taxa de 0,7%, que é praticamente metade da já por si anémica taxa de crescimento da produtividade. Tudo isto contrasta com o crescimento registado no período dourado de 1948 a 1970 em que o PIB da economia americana cresceu a uma taxa anual média de 3% (bons tempos, é o que apetece dizer). Por isso, nada nos garante que não existam outros obstáculos a uma disseminação mais rápida dos efeitos da aceleração tecnológica ao crescimento da produtividade. Seguramente que existirão obstáculos e constrangimentos organizacionais a esse aumento de produtividade. Limito-me a enunciar uma tese possível: não estará a registar-se a usual coevolução entre aceleração tecnológica e mudança sócio-institucional e organizacional, estando esta última bem mais atrasada do que a primeira. Provavelmente, essa evolução organizacional limita-se hoje às grandes empresas do topo da distribuição, estando muito longe de concretizar-se no restante tecido empresarial.

Por motivos que se prendem com o pedido de uma publicação com a chancela da McKinsey, acabei a ser solicitado regularmente para responder a alguns inquéritos da consultora sobre o modo como as empresas estão a viver a transformação digital. Com a qualidade que é padrão da consultora, os referidos inquéritos estão obviamente no topo das mudanças em curso. Quero dizer-vos muito modestamente que tenho tido extrema dificuldade em responder aos referidos inquéritos do ponto de vista de uma empresa portuguesa de pequena ou média dimensão. É uma possível ilustração do meu ponto: a mudança organizacional que é induzida pela transformação digital estará ainda muito concentrada nas empresas de maior dimensão e expressão global de mercado, sugerindo assim ainda uma fraca disseminação por todo o tecido empresarial.

Poderão existir também problemas de não adaptação atempada de formação de competências para alinhar com a transformação digital. O que também poderá justificar o lag do crescimento da produtividade.

Apesar de tudo isto, isto é, apesar do crescimento da produtividade não refletir de todo a aceleração tecnológica e o manancial de efeitos positivos com que ela é apresentada, a economia americana continua a não refletir em termos de crescimento a influência restritiva das medidas do Banco Central FED de subida da taxa de juro. O sempre perspicaz Matthew Klein mostra-se cético (link aqui) quanto à possibilidade da tal “aterragem suave” da economia americana. O crescimento económico, mesmo que servido por uma anémica produtividade, dá sinais de não abrandar por efeito dessa política restritiva, o que é a mesma coisa que dizer que a pressão inflacionária continua viva.

Moral da história: a natureza está em aceleração dos seus tempos, a transformação tecnológica vai pelo mesmo caminho, só a produtividade parece querer evoluir por vias mais calmas. Os economistas interrogam-se. A mudança tecnológica afinal já não é o que era ou os tempos da sua disseminação e transferência estão cada vez mais lentos?

Cai a tarde sobre Santa Tecla. O sol já se escondeu por detrás do monte. Reina uma calma de primavera anunciada sobre o Minho.

Bom fim de semana.

(1) https://www.mckinsey.com/mgi/our-research/rekindling-us-productivity-for-a-new-era?stcr=83643D82618447A48E303F8BA57A660F&cid=other-eml-alt-mip-mck&hlkid=71a4cf4e7b82443fb8f4c9bb1b0da3ec&hctky=9433350&hdpid=b9c71301-2cf1-480c-a283-16f458891597

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