quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

AVE RARA?

 

(Estive entre aqueles que não compreenderam lá muito bem a substituição de Pedro Siza Vieira no ministério da Economia, quando António Costa apresentou o seu novo governo e novas dúvidas foram acrescentadas com algumas revelações do próprio Siza Vieira. Na altura, dei o benefício da dúvida à escolha de António Costa Silva para o cargo, tendo em conta o meu apreço pela personagem e sobretudo a minha convicção de que um governo, em que o núcleo central gira em torno dos homens e mulheres de confiança de António Costa, seria essencial que a estrutura governativa tirasse partido de uma personalidade como ACS. Aproveito a muito positiva entrevista que o ministro da Economia concedeu ontem ao Público para avaliar se o meu benefício da dúvida está justificado ou se, pelo contrário, estamos perante mais um erro de “casting”.

Reafirmo a minha convicção de que uma personalidade independente, com experiência feita na gestão empresarial do setor privado, conhecedor dos novos paradigmas do desenvolvimento e da inovação tecnológica, com cultura abrangente e algum sentido de visão para o país faz falta a um governo que não prima pelo pensamento mais inovador e fora da caixa. Obviamente que uma personalidade como ACS pode ser facilmente trucidada pela máquina dos “YES MEN”, sobretudo quando a própria personalidade se deixa envolver em querelas em dissonância clara com o pensamento dominante do Governo como aconteceu com a história da descida dos impostos para as empresas. Mas o meu ponto é outro. Não tenho dúvidas de que um Governo com as características do escolhido por António Costa tem todo o interesse ele próprio em capitalizar a liberdade de pensamento de uma personalidade como ACS.

A entrevista ao Público vem dar razão ao meu argumento, sobretudo pela razão essencial de que o Partido Socialista tem uma dificuldade histórica em concretizar um discurso e uma prática coerentes em matéria de relacionamento aberto com o tecido empresarial. Ora o partido se deixa envolver, através de personagens menores, em desmandos empresariais de aproveitamento dos vícios do mercado, ora manifesta intransigência e alheamento face à empresa não sendo capaz de a colocar no seu pensamento de matriz social. A presença de um humanista com sensibilidade às questões da empresa e da sua gestão constitui assim uma oportunidade de acrescentar valor à gestão socialista. Não estou nada certo que isto seja compreendido no seio do Partido e disso existe evidência acerca do modo como a atividade do ministério da Economia é escrutinada entre os apoiantes do Governo.

A entrevista ao Público traz novos elementos relevantes de fortalecimento do meu argumento. Um aspeto essencial e que atravessa por agora grande parte das políticas públicas que deveriam estar a produzir resultados mais palpáveis em termos de investimento e ações concretas, é a perceção que ACS já ganhou, e expressa-a com clareza na entrevista, de um conjunto diverso de bloqueamentos à execução das medidas e planos. O ministro fala de uma administração pública mais rotinada para dar pareceres do que produzir resultados, encontrando aí a principal diferença entre a gestão pública tal como é praticada em Portugal e a gestão privada. Esta diferença é fruto de uma longa evolução, em que a descapitalização de talentos, a perda de autoridade e reconhecimento na afirmação das ideias e a subalternização face aos aparelhos partidários são fatores que a precipitam.

A ideia de ACS de um ministério da Economia entendido como “uma espécie de casa de máquinas do país” é curiosa e assinala que o ministro anda no terreno, focado num PIB de 300 mil milhões de euros em 2030 e procurando captar a energia do tecido empresarial. É também relevante a perceção de ACS quanto aos malefícios das multi-tutelas em contraponto à ideia do “single point responsibility”. O exemplo mais ilustrativo de que a multi-tutela não funciona está na própria Agência Nacional de Inovação, cuja presidente acaba de sair com algum estrondo. Esta saída, forjada com argumentos válidos e que revelam alguma desatenção dos ministérios da Economia e da Ciência e Tecnologia para com a importância da Agência e sobretudo pela importância que o dossier das Agendas Mobilizadoras do PRR reveste para o país, não pode fazer esquecer o autêntico desastre que foi a passagem de Joana Mendonça pela ANI. Desde os tempos da passagem pela ANI do meu Amigo Engenheiro José Carlos Caldeira que, partindo de uma situação de quase dissolução e integração no IAPMEI, consolidou a Agência, nunca mais a liderança da instituição encontrou gente à altura da sua importância estratégica para o país.

ACS tem aqui uma grande oportunidade de fazer regressar a instituição ao rumo que a inovação tecnológica e organizacional precisa em Portugal, em primeiro lugar porque conhece melhor do que ninguém os caminhos da inovação em Portugal e depois porque conhece por dentro o alcance das Agendas Mobilizadoras financiadas pelo PRR, arrepiando caminho face a uma atomização excessiva do número de agendas aprovadas, não deixando que isso faça perder o foco no que é realmente importante e estrutural.

E, last but not the least, o Ministro revela conhecer o país que é preciso mobilizar, com a sua referência ao que de essencial acontece no polígono indistrial Braga-Guimarães-Famalicão-Barcelos. Estou precisamente por estes dias com um trabalho entre mãos sobre o sistema de inovação do Quadrilátero Urbano que corresponde precisamente aquele polígono, com a preciosa colaboração do meu amigo e colega de sempre Mário Rui Silva. Já há muito tempo que tenho insistido na relevância da valorização daquele importante ativo territorial para a consolidação do caráter extrovertido da economia portuguesa, que o próprio ACS assinala com a referência ao indicador dos 50% das exportações no PIB.

É um bom começo haver um Ministro que está atento ao mapa das dinâmicas de inovação.

Aconselharia, assim, o Partido Socialista a compreender melhor a importância de valorizar um Ministro com as características de ACS.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário