O “Público” noticiava ontem que os ministros da Educação e do Ensino Superior estão em desacordo sobre o tema dos exames nacionais no ensino secundário. Finalmente uma questão verdadeiramente séria a ser trazida para a praça pública portuguesa!
De um lado, estão os arautos de uma maior liberdade para os alunos e professores, amarrados como os consideram a uma preparação para exames em função de uma ditadura das notas altas em sede de acesso à universidade, já para não referir duas vergonhas: as notas artificialmente inflacionadas num número crescente de estabelecimentos (sobretudo privados) e as traumáticas injustiças associadas a alunos afastados dos seus objetivos de carreira académica por décimas de classificação. A meu ver, este ponto tem a sua racionalidade e mérito mas passará ao lado do essencial, quer porque há anos que as causas do errado enfoque de estudantes e docentes estão bem visíveis e vão ganhando expressão sem que as autoridades as combatam social e politicamente quer porque cortar o mal pela raiz de um modo tão radical tenderá a deitar fora o menino com a água do banho, ou seja, a deixar as políticas educativas, as escolas e os jovens largamente soltos de uma qualquer monitorização e avaliação minimamente objetiva em termos de competências adquiridas (“de uma formação holística dos alunos” na palavra de Alberto Amaral) e de importantes e diferenciadas comparações à escala regional, nacional ou internacional. Dito de um modo algo provocatório, o “eduquês” deve estar sujeito a limites que só algum tipo palpável de medida poderá garantir.
Do outro lado, estão os defensores da relevância dos exames e até do seu aumento de peso na nota de candidatura ao ensino superior (com mais alguns requintes bem-intencionados na ideia da ministra), também eles influenciados nas suas posições por uma vontade de combater as distorções associadas à situação objetiva de batota, compra e perversão em que vamos vivendo em bastantes estabelecimentos de ensino (“de total falta de fiabilidade das classificações internas atribuídas pelo ensino secundário”, na palavra de Alberto Amaral) e pela necessidade de serem mantidos alguns fatores essenciais de aferição no acesso ao superior. Ao que se tem de contrapor o facto de os exames não servirem para avaliar tudo o que sabem os alunos nem para avaliar tudo o que fazem as escolas nem para avaliar tudo o que respeita à adequação das políticas educativas (cito a editorialista Andreia Sanches, que sublinha que, seguindo assim, “Portugal pode passar a ser um dos países com menos dados para avaliar o que está a fazer com os seus alunos”). Dito de modo igualmente algo provocatório, a “exigência” tem pressupostos bem mais complexos do que o facilitismo de uma prova única e, portanto, necessariamente falível e suscetível de ser sobredeterminada por fatores de ordem material.
Há ainda argumentos aparentemente conciliadores, mas realmente laterais face ao essencial. Como por exemplo o de se introduzir uma “distinção entre o que é a certificação do ensino secundário e o acesso ao ensino superior”. Ou o de determinada opção poder contribuir num sentido ou no outro para algum tipo de estratificação entre o ensino público e o ensino privado, seja como reflexo de um menor escrutínio dos estabelecimentos de ensino em caso de ausência de resultados externos seja por via da irrupção de consequências sociais também não irrelevantes.
A decisão caberá a quem de direito e estará iminente, dizendo-se que será o primeiro-ministro a dirimir (espero que devidamente suportado por especialistas maduros e competentes) uma discordância compreensível entre os dois ministérios (os “problemas” criados pelos exames nacionais às duas áreas de governação são “distintos”, novamente na palavra de Alberto Amaral). Pessoalmente, odiaria ter de tomar uma tal decisão, especialmente no contexto escandalosamente desviante (porque desregulado) a que deixamos chegar os contornos e as implicações de um tema tão procedente; mas, se obrigado e tudo o mais constante, talvez lá acabasse por apoiar a proposta de Elvira Fortunato (exames a valerem metade ou mais da nota de candidatura ao superior, um exame obrigatório de Português e um terceiro ligado à componente de formação específica da via de ensino em causa), exatamente assim ou com ligeiras variações à margem.
E volto ao início: aqui está um assunto prioritário, mais do que justificativo de reflexão e debate. Finalmente assim parecia. Mas, afinal, o tempo já não dá (quase nunca dá!) e tudo virá a ser objeto de uma resolução vinda de cima, pouco ou nada participada e assim incapaz de contribuir para um acréscimo de informação, consciência e espessura da nossa opinião pública. Lamentavelmente.
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