Pró Diabo com os debates e as acusações em torno da música mais ou menos erudita que a Casa da Música cobre e/ou devia cobrir na sua programação. Idem, em sentido diverso, sobre o quantum de portugalidade que por lá vai passando, seja em músicos ou em música. Tudo, estes e outros temas, a revelarem-se demonstrações lamentáveis das doenças infantis em que a nossa sociedade se está a deixar cair, dominada por egos incomensuráveis e ambições despropositadas. Adiante com isso, pois. Até porque ontem fui assistir ao concerto da Mariza na Suggia, uma apresentação de alta qualidade e muito profissional numa sala completamente esgotada por gente a querer ouvir uma senhora de voz notável e grande simpatia e presença, cujo repertório permanece “ancorado no fado clássico e contemporâneo” mas foi por ela expandido “para incluir mornas cabo-verdianas, clássicos do rhythm & blues e quaisquer outras melodias que lhe sejam queridas”.
O lançamento do concerto sublinhava: “Nenhum outro artista português desde Amália Rodrigues construiu uma carreira internacional com tanto sucesso como Mariza, acumulando êxito após êxito nos palcos mundiais de maior prestígio, referências entusiásticas dos críticos mais exigentes e uma sucessão infindável de prémios e distinções. Quando Mariza partiu à conquista de outras latitudes, fez o que só Amália tinha conseguido: deixar um lastro de encanto e arrebatamento por onde quer que passasse; quando Mariza começou a explorar caminhos contíguos ao fado, fê-lo como antes só Amália o fizera; quando Mariza se tornou a grande embaixadora da música portuguesa do século XXI, herdou o manto que fora de Amália no século anterior.” E o programa de sala terminava deste modo: “Nos últimos vinte anos, Mariza ultrapassou largamente a fase em que poderia constituir apenas um mero episodio exótico na cena da world music. Provou ser uma grande artista internacional, de forte originalidade e de enorme talento, de quem muito há́ que esperar no futuro. A menina de Moçambique criada no bairro popular lisboeta da Mouraria apropriou-se das raízes da sua cultura musical e converteu-se numa artista universal capaz de se abrir ao mundo sem perder a consciência intensa da sua identidade portuguesa.” Nem mais!
Ficou assim uma noite magnífica e para a qual é imensa a dificuldade em se recorrer à subjetividade de atributos centrados em dimensões de maior ou menor erudição e quejandas.
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