É conhecido o facto de o Governo ter mexido todos os possíveis cordelinhos para consagrar o reconhecimento de mais duas NUTS II pela Comissão Europeia/Eurostat. Assim se deu um passo lamentável numa das poucas zonas de consenso que ainda se mantinham em matérias de natureza regional: a existência de cinco regiões-plano (Norte, Centro, Área Metropolitana de Lisboa, Alentejo e Algarve) no Continente português. Por muito que se diga que as novas sub-regiões o serão apenas para fins estatísticos e de acesso a fundos comunitários, o que é em si verdadeiro, o facto é que questões tão sensíveis e pouco consolidadas como são estas acabam sempre por sofrer alguma potencial mossa quando se lhes mexe e assim se toca numa estabilidade que importaria prioritariamente salvaguardar.
Mas o certo é que o Governo sempre se mostra preferencialmente sensível ao chamamento dos dinheiros europeus (mais por uma ideia vaga de quantidade do que pela preocupação de uma aplicação criteriosa e qualitativamente estratégica dos mesmos) e, de uma forma algo leviana, acabou por não resistir (ou até patrocinar) as movimentações (legítimas porque no interesse próprio) vindas de Setúbal, entretanto também secundadas pela zona do Ribatejo (Santarém e outras cidades próximas e de onde provêm governantes com alguma influência partidária, como por exemplo Abrantes ou Torres Vedras).
A Península de Setúbal passará assim a constituir uma nova NUTS II, com 9 municípios a sul do Tejo a abandonarem a Área Metropolitana de Lisboa e os 9 a norte a passarem a integrar uma nova CIM (Grande Lisboa). Ademais, três CIM’s anteriormente incluídas nas NUTS II do Centro e do Alentejo (após uma batota levada a efeito pelas mesmas razões oportunistas no passado), a saber a do Oeste e do Médio Tejo (vindas do Centro) e a da Lezíria do Tejo (vinda do Alentejo), passarão a compor mais uma nova NUTS II, que será designada por Oeste e Vale do Tejo.
O País esteve praticamente desligado deste processo, apadrinhado à esquerda na Assembleia da República (PS, com a exceção de três deputados, PCP, BE e Livre), desenvolvido sob pressão, sem estudos consequentes e sem qualquer hipótese de se poder efetuar uma avaliação ajustada sobre a real justeza destas modificações ou sobre se outras mudanças se impunham por maioria ou igualdade de razões. À boa maneira portuguesa, portanto.
O silêncio de quase todos, sobretudo a Norte (onde os descocos da atual organização dos concelhos por CIM’s são particularmente visíveis, gerando algumas situações gravosas), teve uma exceção chico-espertista no presidente da Câmara de Vila Real que, num artigo publicado no Jornal de Notícias, veio declarar-se concordante com a iniciativa do Governo e sugerir que a mesma deveria ser (ou ter sido) alargada à Área Metropolitana do Porto, que “já merecia ser NUT II”. Assim procurou Rui Santos recuperar, aparentemente pela positiva, um argumentário abstruso e ignorante de que há muito é um dos principais defensores e que agora exprime nos seguintes termos: “De facto, nesta área metropolitana [AMP], existem concelhos que há muito ultrapassaram os critérios de desenvolvimento económico e social que definem uma região de convergência. Apesar disso, ao estarem diluídos na grande NUT II do Norte, fazem média com uma infinidade de territórios pobres e carentes de investimento, muitos deles do interior e em morte social, e até com outros, integrantes da própria AMP, mas com indicadores de desenvolvimento aquém dos critérios definidos pela Europa. Desta forma, mascarando a sua riqueza, a parte mais rica da AMP consegue ir buscar muitos dos milhares de milhões de euros dos fundos de convergência europeus.”
Como quer que seja, e para além de estarmos perante uma situação completamente diferente da que externamente fundamenta a iniciativa governamental (a AML está fora de grande parte dos fundos e isso tem implicações negativas para Setúbal, existem mínimos de massa crítica a alcançar para se ser NUTS II e as formas de cálculo para a distribuição dos fundos são complexas e não dominantemente ditadas por lógicas primárias tipo “ricos e pobres”), a realidade é que “Inês é morta”; e como dava muito incómodo fazer em tempo o trabalho de casa e, não o tendo feito, se deixou esgotar o período regulamentar para induzir alterações nas unidades estatísticas em Bruxelas (que termina, com efeito, dentro de dias e é resultado de um processo relativamente longo que está fora de hipótese reabrir)... Fica, pois, o capital de queixa, afinal aquilo que algumas personagens a Norte melhor sabem fazer para exclusivas finalidades de ordem político-pessoal largamente alheias aos reais interesses dos cidadãos seus constituintes.
Para devido conhecimento de todos, fui analisar o resultado da alteração proposta pela Governo a partir dos mais recentes dados estatísticos disponíveis (ou estimáveis), a qual só terá todavia efeitos num quadro plurianual subsequente ao que agora está a iniciar-se. O resultado sintético está no quadro seguinte, do qual decorre a perceção continuada de enormes desequilíbrios inter-regionais que ficaram por abordar em mais uma precipitação partidariamente determinada e bem suscetível de provocar estragos.
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