quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

AS INTERROGAÇÕES DO CRESCIMENTO ECONÓMICO

 


(O acerto das contas macroeconómicas de fim de ano, com a fixação da taxa de crescimento económico de 2022 em 6,7%, com o significado que este número tem na história do crescimento económico português das últimas décadas, deveria funcionar como instrumento de compensação para toda a fragilidade política que a maioria absoluta tem revelado no tempo mais recente. Mas várias razões podem ser convocadas para explicar esta aparente falta de entusiasmo que este número suscitou. É a isso que chamo as interrogações do crescimento económico. Alinho por este motivo algumas reflexões sobre o crescimento económico português mais recente, tentando desbravar interrogações e incertezas que os números publicados suscitam no contexto de ameaça recessiva global que, embora hoje mais diluída, não desapareceu do horizonte, já que tal perceção está ligada a uma máquina da incerteza total e em que qualquer pequeno solavanco pode alterar radicalmente o contexto prospetivo.

 

Uma primeira nota que se justifica apresentar resulta do facto de nos encontrarmos num contexto em que os diferentes valores da taxa de crescimento económico parecem apostados em nos complicar a vida interpretativa. A taxa de crescimento económico anual em 2022 foi de 6,7%, mas as taxas homólogas dos dois últimos trimestres foram 4,9 e 3,1%, respetivamente no terceiro e quarto trimestres. Entretanto, a taxa de crescimento em relação ao terceiro trimestre foi apenas de 0,2%, contra 0,4% entre o terceiro e o segundo trimestres.

A natureza dos números obtidos constitui campo fértil para diferentes interpretações do que eles efetivamente significam.

Primeiro, devo sublinhar que não morro de amores pelas ilações simplistas em regra formuladas a partir da situação macroeconómica do país para daí retirar louros ou acusações à má governação. A economia e os seus principais atores representam um campo que tem a sua autonomia. E no caso concreto não encontro diferenças substanciais na ação governativa relacionada com o mundo dos negócios e das empresas. A razão principal para essa minha posição está no facto da esmagadora maioria dos instrumentos de política pública com repercussão no mundo empresarial estar contida nos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI). Em meu entender, apenas uma matéria está fora desse campo de forças que vem de Bruxelas e das suas regras. Os incentivos fiscais, cujo grau de opacidade e de discricionariedade me assusta um pouco, aliás como recentemente a Susana Peralta denunciou e bem numa das suas crónicas no Público. Entre os incentivos fiscais o SIFIDE (link aqui) tem atraído mais a minha atenção, dado o meu interesse nas questões da inovação, que é uma das raras matérias que parece justificar uma prática coerente de incentivos fiscais. Mas mesmo esse programa mereceria um mais amplo e cuidado escrutínio.

A significativa diferença observável entre a taxa de crescimento anual do PIB (2022) e as variações entre os dois últimos trimestres fortalece a seguinte interpretação desvalorizadora da ação do Governo. A elevada taxa de crescimento do PIB de 2022 reflete ainda o crescimento a partir de uma situação pandémica que rebaixou o produto (efeito ilusório das percentagens calculadas a partir de uma base baixa) e os dois últimos trimestres antecipam já uma situação de quase-estagnação. É uma interpretação possível e não chocante. Também poderá dizer-se que, ainda assim, a economia revelou capacidade de recuperação para regressar ao contexto do pré-COVID, significando que se conseguiu evitar a destruição de tecido empresarial, pelo menos daquele com maior potencial de contributo para o crescimento económico.

Mas importa destacar que a taxa de crescimento de 2022, mesmo que não evitando a quase estagnação do último trimestre, acontece num contexto estrutural bem mais saudável do que em anteriores períodos. Essa taxa de crescimento foi alcançada num ambiente de extroversão bem mais saliente, cujo melhor indicador é o facto das exportações terem ultrapassado os 50% do PIB. Em contexto de mais forte internacionalização, o crescimento alcançado tem outro significado. E este não pode ser dissociado do esforço do tecido empresarial com expressão saliente para o modelo produtivo do Norte, como ainda recentemente o colega Guilherme Costa assinalava num texto distribuído aos membros do Círculo de Estudos do Centralismo presidido pelo Professor Sebastião Feyo de Azevedo. As políticas públicas de internacionalização não se alteraram substancialmente pelo que é ao tecido empresarial que devemos imputar a alteração.

Poderíamos retirar daqui a ilação de que o modelo empresarial português desejará que a governação não incomode e que o deixem trabalhar. Em parte é assim, mas a sustentação do crescimento económico para uma convergência real ainda mais saliente exige um esforço de transformação estrutural do perfil de especialização da economia portuguesa, com a digitalização e a descarbonização à cabeça, do qual o Governo não pode lavar as mãos entregando toda a responsabilidade ao tecido empresarial.

Analisei, entretanto, a partir de 2011 a evolução comparada dos ritmos de crescimento económico em Portugal e na União Europeia a 28 (uma abstração, mas ainda assim um termo de comparação).

O gráfico que abre este post ilustra bem esse confronto. No gráfico são visíveis apenas dois períodos em que em situações diversas Portugal divergiu sensivelmente da UE 28. No período do ajustamento é bem visível a divergência penalizadora para Portugal. Depois, num longo período, as curvas praticamente que se sobrepõem. Finalmente, no período mais recente, a situação parece inverter-se e crescemos acima da União.

Uma reflexão final para assinalar que os dados exigem uma desagregação. A eficiência dinâmica e o potencial de transformação estrutural do turismo, por um lado, e da indústria mais inovadora e dos serviços intensivos em conhecimento, por outro, não são os mesmos. O significado da taxa de 2022 será totalmente diferente à medida que a segunda das dimensões mantiver a sua importância ao mesmo tempo que a primeira se mantém.

Moral da história, não atrapalhar absurdamente a dinâmica empresarial, sim, sem dúvida. Mas convém não ignorar que ir além do turismo como fator de crescimento exige um conjunto de objetivos consequentes e coerentes para acelerar a transformação estrutural e a complexidade da economia portuguesa. Que tarda em aparecer. Apesar de por vezes a tibieza e ingenuidade do ministro da Economia causarem um ruído incómodo, António Costa Silva é homem para compreender a necessidade desse impulso. Dir-me-á o Ministro que apostou tudo no PRR. Compreendo mas preciso de mais elementos de avaliação para ajuizar a opção com mais fundamento.

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