É conhecido que há uma indisfarçável crise política aberta entre Espanha e Marrocos, a qual teve um pequeno desenvolvimento por estes dias, com o presidente do governo espanhol Pedro Sánchez a investir algo infrutiferamente os seus melhores esforços numa deslocação a Rabat, acompanhado de uma dúzia de ministros, para uma cimeira ao mais alto nível. Sánchez bem tentou dar uma ideia de normalidade retomada, mas o rei Mohamed VI manteve-se firme e não lhe concedeu a esperada e tentada audiência, limitando-se a aceitar a realização de uma conversa telefónica e a dar orientações ao seu primeiro-ministro (Aziz Akhannouch) para que as várias dimensões de negociação bilateral tivessem o devido tratamento.
A origem da crise em causa data de há pouco menos de dois anos quando, em plena pandemia, o governo espanhol deu luz verde a uma transferência para seu território de Brahim Gali, o líder do movimento de libertação nacional do Saara Ocidental (Frente Polisário), para ser tratado de uma infeção grave por coronavírus. Apesar da discrição de tal processo, as autoridades marroquinas descobriram o facto, protestaram diplomaticamente e decidiram ripostar com o que fossem tendo ao seu alcance. Seguiram-se diversas ações de aproximação político-diplomática, incluindo uma tomada de posição de Sánchez a recuar e definir expressamente a proposta marroquina de autonomia sobre o Saara Ocidental como “a base mais séria, crível e realista para resolver esta disputa” (mesmo que a expensas de um prejuízo das relações com a Argélia, um dos principais fornecedores de gás para a Espanha, ademais em plena fase de estrangulamento de fornecimento de gás russo devido à guerra na Ucrânia). Esta demonstração de uma notória prioridade espanhola à manutenção das relações com Marrocos justificar-se-á por razões múltiplas, nomeadamente económicas e comerciais ― recorde-se que a Espanha é o principal fornecedor de Marrocos e que este país é o seu terceiro maior cliente externo à União Europeia ―, sendo que também estão presentes dossiês de grande complexidade como os das pressões associadas ao caldeirão da imigração ou os dos recorrentes processos de espionagem levados a cabo pelos serviços secretos marroquinos.
Como quer que seja, a verdade é que Sánchez não se livrou de viver uma situação altamente melindrosa, que procurou aguentar em silencio e contrabalançar com manifestações de satisgação pela dinâmica da Cimeira, tudo na expectativa de assim ter logrado que a vingança servida fria pelo Rei corresponda a um ponto final no mal-estar. O resto, que é o mais importante no plano dos grandes princípios, volta à velha forma de um povo (saaraui) em continuada luta pela sua autodeterminação.
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