terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

DA SALVAÇÃO DO REGIME

 

(Nuno Sampaio, https://expresso.pt)

Não sou um especial fã de Miguel Pinheiro (MP), mas reconheço-o como um bom profissional do jornalismo que tem vindo a fazer um interessante percurso de carreira, aliás cada vez mais ligada ao serviço da causa que subjaz ao projeto do “Observador” (onde é diretor executivo, depois de ter passado largos anos na “Sábado”).

 

Vem todo este arrazoado a propósito de um seu artigo recente (“Se quiser, Marcelo ainda pode salvar o regime”) que foca com alguma originalidade e sentido um dos grandes problemas políticos que nos tenderá a afligir em crescendo: o da ascensão da extrema-direita (sim, aquela que não entrava em Portugal porque éramos tidos por demasiado presos aos brandos costumes!) e o de como lidar com ela. Escreve MP: Marcelo tem que se transformar no símbolo do combate a tudo isto [a corrupção e a falta de ética] e tem de ser o dínamo de mudanças rápidas e profundas. Não basta fazer declarações vagas à saída de um simpósio ou fazer exigências vaporosas que são depois contornadas com habilidade ― Marcelo tem de ter um programa concreto e vasto que seja de aplicação imediata. É muito simples: se não for ele a agitar o sistema, será André Ventura. E essa é, simplesmente, a diferença entre mudar o regime ou mudar de regime. Até agora, Marcelo Rebelo de Sousa tem-se contentado em ser, de forma pachorrenta, o Presidente da descompressão política e o Presidente das selfies. Antes das crises mais recentes, manter esse rumo era apenas insuficiente; agora, passou a ser perigoso. Com o tempo que lhe resta em Belém, ainda tem o capital político necessário para se tornar no Presidente da ética. Não é uma afirmação melodramática, é uma merca constatação de facto: se quiser, Marcelo pode ser o político que salva o regime.”

 

Valorizo no texto de MP o sentido de urgência. E até talvez uma procura, que parece sincera, de “salvar o regime”. Porque, de facto, as coisas começam a ficar perigosas para o lado de quem assume a defesa da democracia como um bem maior. Com a sociedade portuguesa atonitamente defrontada com uma completa perda de múltiplas dimensões do foro ético, substituídas por taticismos verdadeiramente intoleráveis ― sejam eles os de uma “eterna” preservação do poder por parte do PS e de António Costa ou os do chamamento de uma ambição de poder por parte do PSD de Luís Montenegro, ambos conduzindo a uma vergonhosa pactuação em relação ao “Chega” e a Ventura ―, com Augusto Santos Silva a correr em pista própria de modo mais inteligente mas não menos tático (entre intervenções críticas e ruidosas no Parlamento ou escritos de jornal tão prescricionais quanto relativamente asséticos) e com alguns protagonistas mais consequentes a serem objetivamente colocados em posição de ficarem a falar quase sozinhos (da clareza afastativa da “Iniciativa Liberal” ao isolamento de Jorge Moreira da Silva no PSD), MP olhou para o entorno e viu em Marcelo a hipótese de uma saída possível a vir dali. Bem pensado, talvez, mas pouco mais do que isso porque o Presidente tem outra agenda, distorcida certamente no plano da ordenação de princípios de um estadista mas mais consonante com o seu modo de ser e estar e com a sua mera vontade de influenciar quotidianos e caminhos de curto prazo, portanto mais afim da fugacidade de factos político-mediáticos do que de salvar qualquer coisa do tempo onde não estará.

 

Em qualquer caso, insisto em que a preocupação de MP colhe, e de que maneira! O que não consigo é dela retirar qualquer reflexão construtiva para efeitos da dita salvação do regime ― lamentavelmente, o abismo parece mais à mão...

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