(A economia americana está progressivamente a
transformar-se numa caixa de surpresas contrariando conclusões que dávamos por
adquiridas. É este o caso dos comportamentos de convergência/divergência
entre as suas regiões – Estados.)
Os temas da convergência/divergência entre Estados e regiões são algo de
central em matéria de crescimento económico e da sua territorialização. Sem querer
esgotar neste simples post toda a matéria
conceptual e empírica que normalmente associamos ao tema da convergência/divergência,
regra geral a chamada convergência absoluta chega para alguma animação. Diremos
sem grandes preocupações de rigor formal, que um universo de países ou territórios
demonstra viver, num dado período temporal de referência, uma situação de convergência
quando, em média, os países ou territórios mais pobres crescem nesse período a
taxas mais elevadas do que os mais ricos. Com base na comparação das taxas de
crescimento a que crescem uns e outros e tendo em conta os desníveis de PIB per capita num dado momento de referência,
é até possível calcular se a convergência se está a fazer rápida ou lentamente.
Dos milhares de regressões que podemos encontrar na literatura, costumamos
partilhar com os nossos alunos ou audiências a evidência de que quando nos
universos em análise as diferenças estruturais de desenvolvimento não são muito
pronunciadas os números tendem a mostrar que os menos desenvolvidos convergem
com os mais desenvolvidos. São exemplos dessa “tradição” os países da OCDE e até
há bem pouco tempo as regiões/Estados americanos. Já, por exemplo, quando se estende
o universo a todas as economias do mundo ou às regiões NUT III europeias, a
evidência é a da divergência absoluta, ou seja, os mais pobres não tendem a
crescer mais do que os mais ricos. Os economistas gostam de associar a esta “tradição” uma narrativa. A economia
mundial proporciona hoje a quem quer convergir com os mais desenvolvidos condições
que não oferecia há muitos anos atrás, o progresso tecnológico. Por isso, se os
menos desenvolvidos se organizarem para tirar partido da disseminação do
progresso tecnológico poderão convergir inclusivamente a ritmos mais rápidos
dada a aceleração do progresso tecnológico. Porém, quando as diferenças estruturais
à partida são demasiado aprofundadas (o quanto será sempre uma incógnita) poderemos
dizer que sem transformações estruturais decisivas os países mais frágeis não poderão
convergir para os mesmos níveis de desenvolvimento e daí que nessas situações
se rejeite falar de convergência absoluta, sendo necessária uma outra conversa
que não é hoje para aqui chamada.
Ora o que eu quero trazer hoje para este espaço é a certeza de que já não
poderemos continuar a usar as regiões americanas como um exemplo seguro da evidência
da convergência absoluta entre os mais pobres e os mais ricos. Ou seja, a
economia americana continua a estragar padrões e regularidades. E podemos até construir
uma narrativa curiosa: se entre os indivíduos a divergência entre os americanos
é a lei (os mais ricos não se cansam de aumentar a diferença para os restantes),
parece estar a acontecer algo de similar entre as regiões. Poderá sempre questionar-se
se não estarão a cavar-se entre as regiões americanas desequilíbrios
estruturais que aconselhem a não utilizar a convergência absoluta. É algo de
inexplicável na medida em que nos períodos passados tivemos convergência
absoluta entre as regiões mais pobres e as mais ricas. Mas há aqui uma divisão
Norte-Sul que não é nova e que tem raízes históricas.
O que está então a passar-se para termos de mudar radicalmente os nossos
casos de sucesso em matéria de convergência absoluta?
O sempre atento e rigoroso Timothy Taylor (link aqui) foca-se nesse problema no Conversable Economist que estamos sempre
a revisitar, e convergêcniatrazendo para a opinião pública e para o debate
menos académico duas investigações recentes sobre essa forma de ver a economia
americana.
A primeira conclusão é que a passagem de padrões de convergência a padrões
de divergência não foi abrupta. Começou por observar uma redução bastante assinalável
do ritmo de convergência (entre 1990 e 2010), para passar a divergência a
partir daí. Os economistas têm um instrumento de trabalho que permite visualizar
a queda do ritmo de convergência. Relacionando os PIB per capita do início do período
em análise com as taxas de crescimento observadas nesse período e calculando as
retas de regressão, quando mais inclinadas tais retas se apresentarem mais rápida
é a convergência (ver gráficos iniciais para os períodos 1940-1960 e 1990-2010).
O raio da crise de 2007-2008 tem mais uma pedra no saco que a afundará na
história: a emergência da divergência entre os Estados americanos.
Os dois artigos que Tim Taylor traz à ribalta avançam curiosamente com duas
explicações diferentes. O artigo de Ganong e Shoag (link aqui) foca-se nas consequências
que as variações do preço da habitação tendem a provocar nas migrações internas
dos estados menos desenvolvidos para os mais desenvolvidos. A segregação habitacional
e geográfica entre gente que tem dinheiro para viver com os preços mais
elevados de habitação e os que não o têm segmenta espacialmente a economia e
impede a convergência. O artigo de Elisa Giannone (link aqui) (focado em cidades e não em Estados)
vai por outra via e foca-se no chamado skill-bias
do progresso técnico o qual tem favorecido o alargamento dos gaps salariais entre
os mais qualificados e os menos qualificados. Neste caso, a emergência de aglomerações
urbanas com salários muito altos, decorrentes da concentração de qualificações,
segmenta a convergência e torna-a menos fluida.
Parece assim formar-se a evidência de que não há só uma massa de indivíduos
com a sua mobilidade estancada e inviabilizada, mas também que há Estados ou
Cidades americanas que parecem presos na não esperança, alimentando a divergência.
Não é caso que eu não já não tenha relembrado neste espaço quando me referi a duas
obras chave de 2017: White Trash – The 400-year untold history of
class in America de Nancy Isenberg e Hillbilly Elegy –a memoir of a
Family and Culture in Crisis de J.D. Vance, se a memória não me
atroiçoa uma destas já publicada em português.
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