terça-feira, 30 de janeiro de 2018

O PRODUTO POTENCIAL

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(Breves reflexões em torno de um artigo de Krugman, com ecos não apenas para a economia americana. O potencial de crescimento das economias na berlinda.)

Paul Krugman tem agora no New York Times apenas a sua coluna de opinião, na sua qualidade de OP-Ed Columnist. O seu espaço de blogue e reflexão fica assim consolidado na sua coluna regular de opinião e penso que assim se reduz a probabilidade de não leitura dos seus contributos.

A sua coluna de 28 de janeiro de 2018 (link aqui) centra-se, como é quase regra, nas peripécias da economia americana, mas o tema que suscita é de aplicação extensiva ao momento de muitas economias, entre as quais a nossa. Depois de lembrar que a economia americana já cresceu em períodos anteriores a taxas bem mais elevadas do que as esperadas para o futuro próximo, 5% e 4%, em média, respetivamente, nas administrações Carter e no segundo mandato de Bill Clinton, Krugman disserta sobre os quase 3% esperados para a próxima década.

A economia americana é conhecida nos tempos mais recentes pela sua proximidade, senão coexistência, com uma situação de pleno emprego ou de quase pleno emprego. Uma das tragédias da informação económica e dos que com ela trabalham é a imperfeição que muitos atribuem à taxa de desemprego como indicador revelador (inversamente) da plena utilização da capacidade produtiva de uma economia. Sabemos que o aumento da capacidade produtiva de uma economia a longo prazo se faz a ritmos nunca muito elevados, embora nesse trajeto as recessões entretanto observadas gerem períodos em que a capacidade produtiva apresenta quedas substanciais (como a observada após 2007-2008). Assim, a todo o momento o crescimento económico observado num dado período acaba por resultar seja de aproveitamentos de capacidade produtiva não utilizada, seja de novos investimentos. Quanto mais próximo do pico de um ciclo económico nos encontramos, maior será a probabilidade do aproveitamento da capacidade produtiva não utilizada explicar menos o crescimento observado.

A imperfeição da taxa de desemprego como indicador de capacidade produtiva não utilizada resulta de várias razões. Uma das mais importantes é o facto das recessões prolongadas, como a última que vivemos, terem por efeito a deslocação para fora da força de trabalho e do mercado muitos ativos que perdem a esperança de encontrar emprego e que o deixam de procurar, não voltando ao mercado. Este efeito de histerésis, tão estudado na recuperação lenta e agónica do pós 2007-2008, pode ser parcialmente atenuado quando a força da recuperação e a escassez de força de trabalho levam “desencorajados” a regressar ao mercado de trabalho.

Para compensar as imperfeições da taxa de desemprego como indicador de capacidade produtiva não utilizada, as alternativas não são famosas. Os inquéritos às empresas fornecem um indicador de utilização de capacidade produtiva mas não são de molde a sossegar os espíritos. Claro que o comportamento dos salários e da inflação costumam em regra ser indicadores da aproximação ao pleno emprego, mas os tempos mudaram. Por exemplo, na economia americana, o tal pleno emprego virtual está longe ainda de repercutir-se em acelerações de crescimento de salários e de preços (porque será?).

É nesta encruzilhada que surge o conceito de produto potencial, nada mais, nada menos do que o volume máximo de produto que uma economia pode alcançar com pleno aproveitamento de todos os seus recursos (capital-equipamento, capital humano ou qualificações, mão-de-obra, infraestruturas, conhecimento). Um conceito elegante, interessante e já velhinho. Mas não é uma grandeza observada. É uma variável construída. E a sua construção (o desenho de uma tendência de longo prazo para a economia com pleno aproveitamento dos seus recursos) tem que se lhe diga. Por exemplo, já aqui demos conta da influência da construção “produto potencial” no cálculo do famigerado défice estrutural que os tratados europeus em má hora resolveram acolher. Veja-se aqui um artigo sobre a atribulada construção do PIB potencial em Portugal em artigo produzido pelo Banco de Portugal.

O que significa que somos atraídos para o produto potencial, mas essa atração não está isenta de novas dificuldades, como diria a Ana Moura, uma carga ou várias cargas de trabalhos.

Claro é preferível discutirmos como aumentar o produto potencial do que nos afundarmos em recuperações lentas e agónicas de recessões profundas. E até compreendemos que forças estruturais estarão a impedir que o produto potencial se liberte. A crise demográfica em que estaremos mergulhados nos próximos vinte a trinta anos limitam o crescimento do produto potencial. Os limites ao crescimento da produtividade também. E não podemos fugir ao espectro acenado por alguns de que o progresso técnico não será o mesmo no futuro próximo em termos de gerar taxas de crescimento elevadas (Robert Gordon é o pai dessa desvalorização do progresso técnico atual).

Projetando as reflexões de Krugman para entre muros, temos de reconhecer desde logo que a economia portuguesa ainda estará longe da situação de quase pleno emprego que a economia americana vive. A taxa de desemprego tem reagido bem e sustentadamente à recuperação económica. Mas temos uma situação paradoxal: estamos ainda longe dos 4% americanos, mas há setores exportadores (metalomecânica, por exemplo, leiam-se os jornais) a vociferar contra a falta de mão-de-obra para responder à sua ânsia de crescimento. Estaremos a viver uma profunda desarticulação entre oferta e procura de qualificações, mesmo tendo em conta que os salários oferecidos estão longe de responder às expectativas do que esperavam algum retorno da sua formação. Imagino que com as mesmas qualificações que temos hoje e uma outra especialização produtiva poderíamos aspirar a um produto potencial mais elevado. A isso chamamos nós mudança estrutural e estamos a vivê-la desde os anos 2000, mas lentamente.



O Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, escrevia há dias no Público que, segundo as estimativas disponíveis, o crescimento do produto potencial em Portugal estaria circunscrito a um intervalo entre 0 e 2%: E a OCDE no seu último diagnóstico sobre a economia portuguesa (link aqui do respetivo resumo) falava de uma diminuição do produto potencial (ver gráfico acima)

Com a crise demográfica em que também estamos mergulhados, a economia portuguesa precisaria de um aumento disruptivo de produtividade total dos fatores para gerar um salto no produto potencial. Mas a verdade é que sem força de trabalho esse salto disruptivo da produtividade total dos fatores corre o sério risco de ser um salto de menino.

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