(
(Breves reflexões em torno de um artigo de Krugman, com
ecos não apenas para a economia americana. O potencial de
crescimento das economias na berlinda.)
Paul Krugman tem agora no New York Times apenas a sua coluna de opinião, na
sua qualidade de OP-Ed Columnist. O
seu espaço de blogue e reflexão fica assim consolidado na sua coluna regular de
opinião e penso que assim se reduz a probabilidade de não leitura dos seus
contributos.
A sua coluna de 28 de janeiro de 2018 (link aqui) centra-se, como é quase regra, nas
peripécias da economia americana, mas o tema que suscita é de aplicação
extensiva ao momento de muitas economias, entre as quais a nossa. Depois de
lembrar que a economia americana já cresceu em períodos anteriores a taxas bem
mais elevadas do que as esperadas para o futuro próximo, 5% e 4%, em média,
respetivamente, nas administrações Carter e no segundo mandato de Bill Clinton,
Krugman disserta sobre os quase 3% esperados para a próxima década.
A economia americana é conhecida nos tempos mais recentes pela sua
proximidade, senão coexistência, com uma situação de pleno emprego ou de quase
pleno emprego. Uma das tragédias da informação económica e dos que com ela
trabalham é a imperfeição que muitos atribuem à taxa de desemprego como
indicador revelador (inversamente) da plena utilização da capacidade produtiva
de uma economia. Sabemos que o aumento da capacidade produtiva de uma economia
a longo prazo se faz a ritmos nunca muito elevados, embora nesse trajeto as
recessões entretanto observadas gerem períodos em que a capacidade produtiva
apresenta quedas substanciais (como a observada após 2007-2008). Assim, a todo
o momento o crescimento económico observado num dado período acaba por resultar
seja de aproveitamentos de capacidade produtiva não utilizada, seja de novos
investimentos. Quanto mais próximo do pico de um ciclo económico nos
encontramos, maior será a probabilidade do aproveitamento da capacidade
produtiva não utilizada explicar menos o crescimento observado.
A imperfeição da taxa de desemprego como indicador de capacidade produtiva
não utilizada resulta de várias razões. Uma das mais importantes é o facto das
recessões prolongadas, como a última que vivemos, terem por efeito a deslocação
para fora da força de trabalho e do mercado muitos ativos que perdem a
esperança de encontrar emprego e que o deixam de procurar, não voltando ao
mercado. Este efeito de histerésis,
tão estudado na recuperação lenta e agónica do pós 2007-2008, pode ser
parcialmente atenuado quando a força da recuperação e a escassez de força de trabalho
levam “desencorajados” a regressar ao mercado de trabalho.
Para compensar as imperfeições da taxa de desemprego como indicador de
capacidade produtiva não utilizada, as alternativas não são famosas. Os
inquéritos às empresas fornecem um indicador de utilização de capacidade
produtiva mas não são de molde a sossegar os espíritos. Claro que o
comportamento dos salários e da inflação costumam em regra ser indicadores da
aproximação ao pleno emprego, mas os tempos mudaram. Por exemplo, na economia
americana, o tal pleno emprego virtual está longe ainda de repercutir-se em
acelerações de crescimento de salários e de preços (porque será?).
É nesta encruzilhada que surge o conceito de produto potencial, nada mais,
nada menos do que o volume máximo de produto que uma economia pode alcançar com
pleno aproveitamento de todos os seus recursos (capital-equipamento, capital
humano ou qualificações, mão-de-obra, infraestruturas, conhecimento). Um
conceito elegante, interessante e já velhinho. Mas não é uma grandeza
observada. É uma variável construída. E a sua construção (o desenho de uma
tendência de longo prazo para a economia com pleno aproveitamento dos seus
recursos) tem que se lhe diga. Por exemplo, já aqui demos conta da influência
da construção “produto potencial” no cálculo do famigerado défice estrutural
que os tratados europeus em má hora resolveram acolher. Veja-se aqui um artigo sobre a atribulada construção do PIB
potencial em Portugal em artigo produzido pelo Banco de Portugal.
O que significa que somos atraídos para o produto potencial, mas essa
atração não está isenta de novas dificuldades, como diria a Ana Moura, uma
carga ou várias cargas de trabalhos.
Claro é preferível discutirmos como aumentar o produto potencial do que nos
afundarmos em recuperações lentas e agónicas de recessões profundas. E até
compreendemos que forças estruturais estarão a impedir que o produto potencial
se liberte. A crise demográfica em que estaremos mergulhados nos próximos vinte
a trinta anos limitam o crescimento do produto potencial. Os limites ao
crescimento da produtividade também. E não podemos fugir ao espectro acenado
por alguns de que o progresso técnico não será o mesmo no futuro próximo em
termos de gerar taxas de crescimento elevadas (Robert Gordon é o pai dessa
desvalorização do progresso técnico atual).
Projetando as reflexões de Krugman para entre muros, temos de reconhecer
desde logo que a economia portuguesa ainda estará longe da situação de quase
pleno emprego que a economia americana vive. A taxa de desemprego tem reagido
bem e sustentadamente à recuperação económica. Mas temos uma situação
paradoxal: estamos ainda longe dos 4% americanos, mas há setores exportadores
(metalomecânica, por exemplo, leiam-se os jornais) a vociferar contra a falta
de mão-de-obra para responder à sua ânsia de crescimento. Estaremos a viver uma
profunda desarticulação entre oferta e procura de qualificações, mesmo tendo em
conta que os salários oferecidos estão longe de responder às expectativas do
que esperavam algum retorno da sua formação. Imagino que com as mesmas
qualificações que temos hoje e uma outra especialização produtiva poderíamos
aspirar a um produto potencial mais elevado. A isso chamamos nós mudança
estrutural e estamos a vivê-la desde os anos 2000, mas lentamente.
O Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, escrevia há dias no Público
que, segundo as estimativas disponíveis, o crescimento do produto potencial em
Portugal estaria circunscrito a um intervalo entre 0 e 2%: E a OCDE no seu último
diagnóstico sobre a economia portuguesa (link aqui do respetivo resumo) falava
de uma diminuição do produto potencial (ver gráfico acima)
Com a crise demográfica em que também estamos mergulhados, a economia
portuguesa precisaria de um aumento disruptivo de produtividade total dos
fatores para gerar um salto no produto potencial. Mas a verdade é que sem força
de trabalho esse salto disruptivo da produtividade total dos fatores corre o
sério risco de ser um salto de menino.
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