(A sessão de hoje
no Palácio da Bolsa acabou por ter uma dimensão que transcendeu bastante a apresentação
do relatório sobre a ideia das eleições diretas para a presidência das Áreas
Metropolitanas. Algumas surpresas e alguma incomodidade manifestada pelo
ministro da Administração Interna sobre o enquadramento constitucional a
medida. Mas acima de tudo uma
sessão com alguma frontalidade.)
Como previa, o tema da discussão da mais que provável inconstitucionalidade
da medida, que é bem menos significativa do que o alcance do pacote de
descentralização que o governo tem em mente, acabou por provocar surpresa e
alguma incomodidade. Entendamo-nos. Quando recebi o convite da direção da ACP
para a elaboração do relatório não tinha intenções de inscrever na reflexão a
questão constitucional. A ACP manifestou interesse em que isso acontecesse e
procuramos então alguém que nos desse garantias de conhecimento dos meandros
constitucionais de tal medida. O relatório não visava avaliar todo o pacote de
descentralização que o Governo está a pensar desenvolver. Tinha um âmbito definido
à partida: faria sentido admitir eleições diretas para a presidência das áreas
metropolitanas? Que vantagens e inconvenientes tem a medida?
Em termos de honestidade intelectual, demonstrou-se a posteriori que não é
sensato discutir o problema sem atender à questão constitucional, sobretudo após
o Acordão do Tribunal Constitucional 296/2013. O relatório respeita esse princípio
até por respeito e consideração pelo trabalho da Professora Luísa Neto. Neste
contexto e continuando a não perceber porque é que o relatório não foi ainda
tornado público, alguma comunicação social interrogou-me sobre a questão. Obviamente
não a ignorei. Após três anos em que muitos de nós dependeram do Tribunal Constitucional
para defender algumas coisas que a Troika pretendia destruir, não faz para mim
qualquer sentido invocar o TC para umas coisas e assobiar para o lado quando os
seus pareceres não agradam a certas perspetivas. Não contem comigo para essa
instrumentalização do TC. Como seria de esperar, imagino que ao chegar ao Palácio
da Bolsa o ministro Eduardo Cabrita terá sido questionado sobre o tema da inconstitucionalidade.
É injusto face ao alcance do pacote de descentralização que não tem nada de
inconstitucional. Mas é apenas o produto de um lançamento para a opinião pública
de uma medida que surge desgarrada de algo com maior alcance e coerência, como
aliás o próprio ministro o mostrou na sua vigorosa intervenção.
Para além disso, tivemos algumas surpresas ou novidades na sequência dos
painéis:
- Grande alinhamento do Professor Valente de Oliveira com as teses do estudo;
- Afirmação inequívoca de desacordo do Dr. Fernando Gomes quanto à medida das eleições diretas apresentada pelo Partido Socialista;
- Posição curiosa do deputado Paulo Rangel que, alinhando com a tese do estudo que estamos num impasse institucional em termos de organização territorial e do Estado, falou da necessidade de uma dupla estratégia: prosseguir no plano político a luta pela superação do impasse institucional e prossecução, a partir da sociedade civil, de uma política de “insurreição”, criando factos novos em termos de descentralização, tais como ligas de cidades ou a criação de uma grande cidade Porto-Vila Nova de Gaia;
- Expectativa generalizada quanto ao eventual papel de Rui Rio na criação e consensos políticos em matéria de descentralização;
- Afirmação inequívoca de Fernando Medina de que o centralismo em Portugal é responsável por uma parte considerável de não crescimento económico em Portugal, ou seja, o Presidente da Câmara de Lisboa vem dizer preto no branco que o produto potencial de Portugal é rebaixado pelo centralismo;
- Exemplos muito curiosos apresentados por Rui Moreira e por Fernando Medina quanto à pretensão do Parlamento de controlar a autonomia do Poder Local. O exemplo mais delicioso é o da Lei 75/2013 que regula hoje toda a organização local e intermunicipal limitar ao máximo de 1 hora o período da ordem das reuniões do Executivo em que se discute política. Ouviram bem? Sim ouviram bem. Os senhores deputados julgaram-se no direito de limitar o exercício da discussão política no poder local. É óbvio que ninguém respeita prescrição tão obtusa.
Não esperava tanto.
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