(Algumas notas em torno do artigo da politóloga, palavra
horrível, Marina Cota Lobo, na E Revista do Expresso. Um momento
crucial para o PSD mas também para democracia portuguesa.)
O artigo de MCL tem por marco a mudança de paradigma na relação entre eleições
e exercício da governação registada com os resultados das últimas eleições
legislativas de 2015. A vitória da força política que conduziu o programa de
austeridade para além dos ditames da Troika e a chegada ao poder do PS, segunda
força política mais votada, com o apoio de uma maioria parlamentar de esquerda
constituem dois fortes abalos do sistema político português. Abalo sobretudo para
quem via esse sistema político como algo perfeitamente estabilizado, mas também
para quem imaginou que os custos sociais da austeridade seriam matéria
suficiente para inviabilizar uma vitória eleitoral de quem se colou a essa
tarefa. Pode dizer-se que, indiretamente, esses custos sociais estariam na base
da mudança de perspetivas que o PS conseguiu arrancar dos seus parceiros à
esquerda.
A mudança de paradigma atingiu todo o sistema político e não apenas, como
por vezes se quer fazer passar, o PSD. O maior abalo registado no PSD deveu-se única
e exclusivamente ao facto da sua liderança e universo próximo de apoiantes ter
calibrado mal as suas expectativas. Passos Coelho e seus seguidores levaram demasiado
a sério a sua própria encenação da saída limpa, com o abrir da torneira
eleitoral no período que antecede as eleições. Afundaram-se na sua própria ilusão
de que tinham finalmente domesticado o tal país que queriam erradicar e que
tinham começado a destruir com a sua adesão aos instrumentos do resgate e do
ajustamento.
Por isso, a chegada ao poder de Rui Rio, com o interregno suscitado pelo
lançamento para a fogueira eleitoral não do seu candidato mas de alguém que se
aproximava mais dos que saíam de cena e não se apresentavam a sufrágio interno,
é uma conquista do poder com elevada singularidade. Com Passos Coelho e companhia,
o PSD parecia ter afunilado de vez o seu universo de ideias para o país. Ora,
quando os responsáveis por esse afunilamento se retiram provisoriamente de cena
deixam um vazio de reconstituição de posicionamento e de quadro programático. O
estilo de confronto que Santana trouxe para as eleições internas não poderia
como é óbvio ajudar a reconstituir esse vazio. Antes o acentuou em muitos momentos
da refrega eleitoral.
Rio herda assim um partido estranho na encruzilhada em que se colocou. Não
se sabe se a aparente cobertura que as teses de Passos e companhia tiveram durante
o período do seu consulado resultou de um silêncio cautelar e oportunista de muitos.
Ou se, pelo contrário, pegou porque a maioria sociológica do partido se foi
transformando, tendo Passos e companhia se limitado a interpretar essa mudança
e a protagonizar propostas e um modelo de governação compatíveis com tais mudanças.
Não penso que neste momento os textos programáticos e mesmo a herança ideológica
deixada por Sá Carneiro signifiquem alguma coisa de relevante do ponto de vista
da amarração das correntes e tendências que estejam a formar-se. O artigo de MCL
não dá qualquer pista para tentar compreender o que efetivamente estará a
reconfigurar-se. O velho PSD dos meios socioprofissionais que participavam
ativamente na política, que conservavam a sua sensibilidade social e reatividade
às injustiças económicas e sociais, que acreditavam na força dinamizadora do
investimento empresarial não se sabe se existe. Ele pode ter sucumbido à medida
que o partido começou a ficar refém dos interesses imediatistas do seu aparelho
e que a articulação com o mérito de ter uma profissão ou um negócio deixou de
ser um motivo de independência em relação à política para se transformar no
foco da participação partidária, capturando interesses.
Rui Rio tem sido pouco claro não apontando em que direção pretende conduzir
o partido. A matéria tão glosada na campanha acerca da precoce declaração de
Rio de que estaria disponível para acordos com o PS para o libertar dos acordos
à esquerda em si não significa rigorosamente nada sem clarificar para que rumo
pretende conduzir o partido. A política em Portugal não mudou apenas porque
emergiu um acordo parlamentar à esquerda que ninguém praticamente antecipou,
pelo menos em pleno teatro das eleições de 2015. Mudou porque houve um resgate
de má memória e que tão cedo será difícil ignorar as condições que o
determinaram, sobretudo porque os processos judiciais BES-GES e Sócrates se
encarregarão de manter viva essa memória por mais alguns tempos.
Tenho dificuldade em discutir o posicionamento do PSD de Rio do ponto de
vista de gráficos lineares da esquerda à direita, passando pelo
centro-esquerda, pelo centro e pelo centro-direita. O (re) posicionamento dos
partidos não vai fazer-se a meu ver em função dessa linearidade, mas antes em função
de temas e posicionamentos concretos, dos mais fraturantes aos mais carenciados
de consensos alargados. Teremos de dar por isso o benefício do tempo a Rui Rio
e ver como é que o partido se posiciona (ou se esfrangalha) em função de alguns
temas do futuro próximo. O orçamento para 2019 será um deles e antes disso
provavelmente a discussão do processo de descentralização permitirá alguma
clarificação.
O problema é que o governo e a maioria que o suporta têm a posse da bola. Conduzem
por isso a agenda política e será nessa medida necessária uma paciência de aço
para que o PSD construa a sua própria agenda de mudança com que irá apresentar-se
ao eleitorado. Até aqui Rio parece estar paciente. Mas haverá um momento em que
o partido ferverá. Os pró-mensagem de Passos dificilmente permanecerão impávidos
e serenos num turbilhão desse tipo.
Nota final: a questão do relacionamento do PSD com o Presidente Marcelo é bem mais complexa e requer outro post.
Nota final: a questão do relacionamento do PSD com o Presidente Marcelo é bem mais complexa e requer outro post.
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