quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

OUTROS TEMPOS




(Já por variadas vezes assinalei neste espaço a importância do tema da comunicação da economia e da investigação que a vai enriquecendo como disciplina científica. A sua importância é hoje redobrada, atendendo à complexa relação entre o que a investigação sugere e o processo de decisão que conduz à política económica. O tema esteve quente em 2017 e não há indícios de que a temperatura desça em 2018.)

Os economistas interessados na mudança das coisas e na destruição da inércia inconsequente interrogam-se amarguradamente sobre o longo tempo da gestação das ideias em termos de alteração de padrões de política económica, isto para falar nos casos mais benévolos. Os casos mais gravosos apontam para a por vezes incapacidade de influenciar a decisão política e a política económica que dela resulta. Quer sejam os bancos centrais a origem das medidas, ou os ministros das finanças e outros decisores políticos com voto na matéria, o pós 2007-2008 e o que julgávamos ser ensinamentos inequívocos dos erros e equívocos associados trouxeram-nos a ideia de que podia ser diferente. Mas a inércia face à mudança mostrou-se mais resistente do que talvez ingenuamente tínhamos pensado. Todos sabemos que, por exemplo, ao nível dos bancos centrais, demora tempo a reconfigurar modelos para dar abertura a novas perspetivas. Por isso, o tema da maneira como o pensamento económico se transmite e comunica tem redobrado de importância. O debate é rico e intenso e volto a ele porque me parece algo absurdo e até suspeito continuar a investigar e ensinar economia sem refletir sobre o modo como o pensamento económico pode ganhar valor social.

À boleia do sempre arguto Timothy Taylor do Conversable Economist (link aqui), que começa o ano interrogando-se saudavelmente sobre essa matéria, chegámos a outros tempos em que o problema também se colocava, aos de Keynes:

“Quando escrevemos teoria económica, escrevemos num estilo quase formal; e não pode haver dúvidas, apesar das suas desvantagens, que esse é o melhor meio que está ao nosso alcance de maneira a transmitir as nossas ideias a uma outra pessoa. Mas quando um economista escreve num estilo quase formal, ele não está a elaborar nem um documento verbalmente completo e exato como se tratasse de uma interpretação legal em sentido restrito nem uma prova logicamente completa. Embora seja sua obrigação estabelecer as premissas e o uso da terminologia de modo tão claro quanto puder, ele nunca coloca todas as suas premissas e as suas definições não são perfeitamente claras. Ele nunca menciona todas as qualificações exigidas pelas suas conclusões. Ele não tem a possibilidade de situar de uma só vez o nível preciso de abstração no qual se movimenta e não se movimenta sempre ao mesmo nível de abstração. Creio que isto é o resultado da natureza da exposição económica que pretende fazer, não em termos de uma afirmação completa, que se fosse possível seria prolixa e complicada a ponto de se tornar obscura, mas antes de uma simples afirmação, para além de todas as coisas que poderiam ser ditas, que pretende sugerir ao leitor todo o conjunto de ideias associadas, de maneira tal que se ele apanhar o conjunto o leitor não estará pelo menos confuso ou embaraçado pela incompletude técnica das simples palavras que o autor escreveu, compreendidas em si próprias. 
Isso significa, por um lado, que um escritor económico exige do seu leitor muita boa vontade e inteligência e uma larga parte de cooperação; e, por outro lado, de que há um milhar de objeções, fúteis e embora verbalmente legítimas, que um objetor pode suscitar. Em economia, não se pode condenar um opositor pelo seu erro; só pode convencê-lo de que o erro existe. E, se estivermos certos, não podemos convencê-lo se os nossos próprios poderes de persuasão e exposição forem deficientes ou se a sua cabeça estiver já preenchida com tantas noções contrárias que não conseguirá captar as linhas do pensamento que estamos a tentar transmitir-lhe. “(JMK, Collected Writings, The General Theory and After: Part I. Preparation, volume XIII).

Como muitas noutras situações, Keynes antecipa questões e debates que permanecem vivos no nosso tempo. O tema está bem vivo. Paul Romer enriqueceu-o trazendo para a discussão o uso viciado e enganoso da matemática, esculpindo o conceito de mathiness: “1. O teste consiste em saber se a matemática traz ou reduz clareza e precisão. Um escritor tanto pode  usar as palavras da linguagem do dia-a-dia como utilizar símbolos matemáticos para produzir asserções claras e precisas; ou opacas e vagas; 2. O problema profundo é o da intenção com que o faz, não a sua capacidade ou competência; 3. Os escritores que querem apresentar previsões usam palavras e matemática para serem claros e precisos. Os escritores que querem apresentar desculpas usam palavras e matemática para serem opacos e vagos; 4. Em comparação com as palavras, a matemática e a codificação tanto podem ser mais precisos como mais opacos” (link aqui). Como Keynes apreciaria esta clareza.

E não nos quedaremos por aqui. Em próximo post, discutiremos os 10 mandamentos para o bem comunicar dos economistas e os 10 mandamentos para não economistas, de modo a poderem assumir a função de “leitor com boa vontade, inteligência e cooperação” de que falava Keynes.

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