(Já por variadas
vezes assinalei neste espaço a importância do tema da comunicação da economia e
da investigação que a vai enriquecendo como disciplina científica. A sua
importância é hoje redobrada, atendendo à complexa relação entre o que a
investigação sugere e o processo de decisão que conduz à política económica. O tema esteve quente em 2017 e não há
indícios de que a temperatura desça em 2018.)
Os economistas
interessados na mudança das coisas e na destruição da inércia inconsequente interrogam-se
amarguradamente sobre o longo tempo da gestação das ideias em termos de
alteração de padrões de política económica, isto para falar nos casos mais
benévolos. Os casos mais gravosos apontam para a por vezes incapacidade de
influenciar a decisão política e a política económica que dela resulta. Quer
sejam os bancos centrais a origem das medidas, ou os ministros das finanças e
outros decisores políticos com voto na matéria, o pós 2007-2008 e o que
julgávamos ser ensinamentos inequívocos dos erros e equívocos associados
trouxeram-nos a ideia de que podia ser diferente. Mas a inércia face à mudança
mostrou-se mais resistente do que talvez ingenuamente tínhamos pensado. Todos
sabemos que, por exemplo, ao nível dos bancos centrais, demora tempo a reconfigurar
modelos para dar abertura a novas perspetivas. Por isso, o tema da maneira como
o pensamento económico se transmite e comunica tem redobrado de importância. O
debate é rico e intenso e volto a ele porque me parece algo absurdo e até
suspeito continuar a investigar e ensinar economia sem refletir sobre o modo
como o pensamento económico pode ganhar valor social.
À boleia do sempre
arguto Timothy Taylor do Conversable
Economist (link aqui), que começa o ano interrogando-se saudavelmente sobre essa
matéria, chegámos a outros tempos em que o problema também se colocava, aos de
Keynes:
“Quando
escrevemos teoria económica, escrevemos num estilo quase formal; e não pode
haver dúvidas, apesar das suas desvantagens, que esse é o melhor meio que está
ao nosso alcance de maneira a transmitir as nossas ideias a uma outra pessoa.
Mas quando um economista escreve num estilo quase formal, ele não está a
elaborar nem um documento verbalmente completo e exato como se tratasse de uma
interpretação legal em sentido restrito nem uma prova logicamente completa.
Embora seja sua obrigação estabelecer as premissas e o uso da terminologia de
modo tão claro quanto puder, ele nunca coloca todas as suas premissas e as suas
definições não são perfeitamente claras. Ele nunca menciona todas as
qualificações exigidas pelas suas conclusões. Ele não tem a possibilidade de
situar de uma só vez o nível preciso de abstração no qual se movimenta e não se
movimenta sempre ao mesmo nível de abstração. Creio que isto é o resultado da
natureza da exposição económica que pretende fazer, não em termos de uma
afirmação completa, que se fosse possível seria prolixa e complicada a ponto de
se tornar obscura, mas antes de uma simples afirmação, para além de todas as
coisas que poderiam ser ditas, que pretende sugerir ao leitor todo o conjunto
de ideias associadas, de maneira tal que se ele apanhar o conjunto o leitor não
estará pelo menos confuso ou embaraçado pela incompletude técnica das simples
palavras que o autor escreveu, compreendidas em si próprias.
Isso
significa, por um lado, que um escritor económico exige do seu leitor muita boa
vontade e inteligência e uma larga parte de cooperação; e, por outro lado, de
que há um milhar de objeções, fúteis e embora verbalmente legítimas, que um
objetor pode suscitar. Em economia, não se pode condenar um opositor pelo seu
erro; só pode convencê-lo de que o erro existe. E, se estivermos certos, não
podemos convencê-lo se os nossos próprios poderes de persuasão e exposição
forem deficientes ou se a sua cabeça estiver já preenchida com tantas noções
contrárias que não conseguirá captar as linhas do pensamento que estamos
a tentar transmitir-lhe. “(JMK, Collected Writings,
The General Theory and After: Part I. Preparation, volume XIII).
Como muitas noutras
situações, Keynes antecipa questões e debates que permanecem vivos no nosso
tempo. O tema está bem vivo. Paul Romer enriqueceu-o trazendo para a discussão
o uso viciado e enganoso da matemática, esculpindo o conceito de mathiness: “1.
O teste consiste em saber se a matemática traz ou reduz clareza e precisão. Um
escritor tanto pode usar as palavras da
linguagem do dia-a-dia como utilizar símbolos matemáticos para produzir
asserções claras e precisas; ou opacas e vagas; 2. O problema profundo é o da
intenção com que o faz, não a sua capacidade ou competência; 3. Os escritores
que querem apresentar previsões usam palavras e matemática para serem claros e
precisos. Os escritores que querem apresentar desculpas usam palavras e
matemática para serem opacos e vagos; 4. Em comparação com as palavras, a matemática
e a codificação tanto podem ser mais precisos como mais opacos” (link aqui).
Como Keynes apreciaria esta clareza.
E não nos quedaremos por
aqui. Em próximo post, discutiremos
os 10 mandamentos para o bem comunicar dos economistas e os 10 mandamentos para
não economistas, de modo a poderem assumir a função de “leitor com boa vontade,
inteligência e cooperação” de que falava Keynes.
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