(O impasse
intrincado em que a questão catalã se transformou dá cada vez menos ganas de
escrever sobre o assunto, entregue que o processo está à boa vontade das partes,
não assegurada, esclareça-se. Mas a confirmação por parte do Supremo Tribunal de Justiça Espanhol de que
não estão reunidas as condições para a libertação de Oriol Junqueras, líder da
Esquerda Republica, estimula alguma reflexão sobre as relações entre justiça e
política.)
Sabemos que o governo de Rajoy optou desde o início por tentar confinar o
contra-ataque à declaração unilateral de independência assumida pelo governo
regional catalão, entretanto destituído, no estrito âmbito jurídico-constitucional.
Era uma opção possível. A ultrapassagem dos limites constitucionais sempre foi
encarada pelo PP como uma violação autoassumida da Constituição espanhola por parte
dos independentistas. Tratou, por isso, de se confinar à questão jurídico-constitucional
e quando teve, finalmente, de intervir politicamente fê-lo ainda no quadro
estrito das margens de manobra que a mesma Constituição lhe permitia: a invocação
e aplicação do artigo 155º. Não estando obviamente em causa a legitimidade de
uma atuação desta natureza, não podemos ignorar que o desatino e divergência da
Catalunha quanto ao quadro constitucional resultam de uma intervenção política
do PP que suscitou junto do Tribunal Constitucional o chumbo do Estatuto da
Catalunya que havia sido pactado desde a sua aprovação pelos catalães.
Não estou a sugerir com esta constatação que outro governo, com outra
flexibilidade e um quadro de referência menos centralista, tivesse chegado a
uma solução política que evitasse o confronto e a rotura praticamente irreversível.
Estou apenas a mencionar a hipótese de que uma solução com uma outra combinação
de política e justiça poderia ter existido, o que não significa atestar a priori a sua exequibilidade.
A detenção de alguns representantes independentistas, com destaque para o
vice-Presidente da anterior Generalitat e líder da Esquerda Republicana, Oriol
Junqueras, por violação de preceitos constitucionais e concretização da via unilateral,
acaba por criar uma interdependência entre justiça e política, que
mostra as debilidades da situação. Sabemos que, embora com um imprevisto terceiro
lugar nas eleições de 21 D, dada a escapadela para Bruxelas de Carles Puigdemont,
que estará para durar, Oriol Junqueras seria em condições normais um presidente
possível da Generalitat. O Supremo Tribumal de Justiça espanhol veio recentemente
confirmar que a relevância política da personalidade, mesmo que sufragada eleitoralmente,
não implica a sua imunidade relativamente aos delitos que assumiu praticar. Como
é óbvio, este contexto é propício a que os ditames da justiça (que não
contesto) tendam, para ser respeitados, a perturbar uma eventual negociação política
de um eventual regresso à normalidade da Generalitat. Sem esse regresso a uma
eventual normalidade, mesmo que transitória, penso não ser possível gizar
qualquer solução política.
Em termos sucintos, os independentistas poderão formar governo regional, não
com o seu inconstante líder mais votado fora do país e obviamente com o seu
segundo líder atrás das grades. Mas há personalidades para assumir esse governo.
Penso que será isso que vai acabar por acontecer. Mas pressupondo que se consegue
essa realização, o problema subsistirá: vai a nova Generalitat continuar a
proclamar a via unilateral? Se o fizer, não só os atualmente detidos continuarão
detidos, como o horizonte de uma negociação política estará cada vez mais negro
e inviável. Com as personalidades independentistas que se fizeram notar, tenho
dúvidas de que haja sagacidade e inteligência política da parte dos
independentistas para forçar o PP à negociação, sem pisar o risco da defesa da
via unilateral? Ou seja, haverá passos políticos que permitam que o poder
judicial salve a face e tenha condições para uma libertação dos detidos? Tenho
dúvidas. Muitas dúvidas.
Podemos insistir indefinidamente na ideia de que à justiça o que é da
justiça e à política o que é da política. O problema é que face à situação
criada só uma lógica combinada dos dois vetores poderá abrir vias de resolução
para uma governação menos tensa, obviamente sem resolver as tensões
independentistas. Só essa lógica combinada poderá reduzir a incerteza estrutural
(como oportunamente a designei) em que a Catalunha caiu. Uma estratégia de saída
de pequenos passos, não avançando para o passo seguinte sem que o anterior equilibre
os personagens.
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