(O novo e trágico
acontecimento de Tondela suscita novas reflexões em torno dos conceitos de
segurança e resiliência. Ao
contrário do que muitos e precipitados jornalistas o quiseram transmitir, o
caso de Tondela não é um exemplo de falência organizativa do Estado. São outros
problemas, não menos graves do que as falhas de junho e outubro.)
A propósito dos acontecimentos de junho e outubro passados, a equipa do
Professor Xavier Viegas chamou a atenção para uma dimensão de intervenção que
estava a ser ignorada. Essa dimensão que, algo simplificadamente, muitos
acomodaram no termo resiliência, respeita à necessidade de um longo e árduo
trabalho com as populações locais e as suas formas de organização, quando elas
existam. Esse longo e árduo trabalho tem várias frentes: a da sensibilização, a
da organização para processos de emergência, a educação cívica, as operações de
limpeza de áreas circundantes às residências dispersas, a informação, a
valorização do conhecimento prático que muitas daquelas populações ainda
possuem, só para falar das que me parecem mais óbvias e imediatas. Este
trabalho comunitário, porque é disso que se trata, orientado para o aumento
paulatino mas sustentado da resiliência das populações em risco, é crucial para
que não se cristalize a ideia de que tudo é responsabilidade do Estado,
qualquer que seja o nível administrativo em questão, o local, o meso ou sub-regional
e o central. Como precipitadamente os responsáveis políticos de então sob fogo,
ministra e secretário de Estado, fizeram passar nas suas reações atabalhoadas e
aturdidas, incrementar a resiliência das populações não pode ser entendido como
uma desresponsabilização do Estado e um convite à sua criminosa inação. Não. A
resiliência das populações é uma esfera de intervenção de uma abordagem mais integrada
ao flagelo, trabalhando competências e organização para catástrofes inesperadas.
Todos já percebemos e temo que não esteja enganado, a conceção de Xavier Viegas
vai cair no esquecimento e estamos a falar de alguém que sabe do que fala.
O novo acontecimento trágico em que Tondela se viu envolvido, embora de
outra natureza, suscita reflexões do género, mas neste caso cruzando em meu
entender segurança e resiliência. O jornalismo impreparado apressou-se a tentar
encontrar no acidente uma nova forma de falência do Estado e de falha de
governação. Não o encontrou na primeira abordagem ao problema. Refugiou-se no
dramatismo da situação. Uns dias depois, já depois de quebrado o efeito dramático
do acontecimento, procurou falhas de licenciamento e outras obscuras falências
da intervenção pública, local ou central. É espantoso como este jornalismo
impreparado oscila brutalmente entre denunciar tudo o que é burocracia de
licenciamento para depois procurar falhas precisamente no que combateram antes
por excesso de burocracia. Já começa a meter nojo tanta incompetência jornalística.
Ninguém se preocupou em identificar o problema central: uma cultura de segurança
facilitista que atravessa fatalmente toda a sociedade portuguesa. A associação
recreativa em cujas instalações ocorreu o trágico desenlace é seguramente algo
de precioso na manutenção de níveis de capital social, confiança e
entretenimento naquela freguesia. Faz certamente milagres com os parcos recursos
que possui. Mas acomodar uma centena de pessoas numa sala com condições de segurança
não testadas para situações de emergência, com uma porta a abrir para dentro e
não para fora e sabe-se lá em que condições de instalação da salamandra de
aquecimento é produto da ausência de uma cultura assumida e estabelecida de
segurança. Esta afirmação parece contraditória com o reconhecimento de que certamente
a referida associação faz milagres em termos de ajuda às populações. Mas não é.
Essa cultura de ajuda não integra as preocupações de segurança. Poderíamos aqui
dissertar sobre a correlação que certamente existe entre falta de cultura de segurança
e o nível médio de educação das populações. Como também o poderíamos fazer a
propósito de outros exemplos, como por exemplo o da segurança rodoviária. Não
quero ser indelicado para com populações que já sofreram de mais para estar ouvir
sermões.
O que eu quero essencialmente dizer é que o novo acontecimento trágico de
Tondela ainda pode ser remetido para as teses de Xavier Viegas. Resiliência e segurança
fazem parte do mesmo trabalho de envolvimento das populações locais na procura
de soluções de organização e segurança mais cooperativas. Não vejo as
autarquias e as associações de desenvolvimento local convictas e empenhadas neste
tipo de intervenção local. Rios de dinheiro estão a ser vertidos em múltiplos
programas de apoio ao microempreendedorismo dos quais uma avaliação séria nos
vai dar resultados de desperdício de recursos, atomização, sobreposição de atividades
e tarefas, numa caça vergonhosa ao empreendedor potencial. Seria certamente
melhor um programa estruturado de promoção sustentada de comportamentos
resilientes das populações locais mais vulneráveis.
A Missão para a Valorização do Interior parece ter desaparecido do mapa. E
o tal programa para o interior de Jorge Coelho, Miguel Cadilhe, Álvaro Amaro e outras
personalidades do tipo não será certamente sensível a tais formas de filigrana
de intervenção social. Tristes e tenebrosos tempos atravessam os territórios
vulneráveis. E a revisão do PNPOT terá pensado nestas coisas? E o que pensará o
Presidente da República desta abordagem?
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